Vamos fazer de conta que somos felizes
As férias são, para muitas famílias, geradoras de elevado stresse.
Costuma dizer-se que “quem vê caras não vê corações”. E, de facto, assim é. Olhamos à nossa volta e vemos tantas pessoas aparentemente felizes, sorridentes e pensamos, às vezes, que também gostaríamos de sentir-nos assim.
Mas será que a realidade é mesmo essa? Nem sempre.
Estamos em época de férias, viagens, praia, campo e sol. A altura do ano pela qual tantos esperam ansiosamente. Ou não.
As férias são, para muitas famílias, geradoras de elevado stresse. Mesmo sendo algo desejado, o facto de se passar mais tempo com as outras pessoas, não apenas a nível do casal, mas também com os filhos e a família alargada, pode ser muito assustador.
Não é por acaso que se observa um pico de separações nos períodos pós-férias. Os casais que, durante o resto do ano, mal se cruzam, centrados nas rotinas e no trabalho e assumindo, acima de tudo, uma relação funcional centrada em aspectos logísticos, deparam-se de repente com uma interacção contínua, de manhã à noite, durante dias seguidos. Quando a “cola” que os une já não é o amor e o companheirismo, mas sim os filhos e a pressão social, surgem os problemas.
Problemas que se negam e tentam esconder por detrás de uma aparente harmonia. Que passeia e sorri, publica fotografias nas redes sociais e faz-de-conta-que-é-feliz. Sim, muitas pessoas fazem de conta que são felizes. Acreditam que melhores dias irão surgir, mesmo quando a insatisfação se tornou crónica e dura há anos. Acreditam que o outro irá mudar, mesmo quando o que está em causa são formas de ser que não mudam apenas porque sim. Acreditam numa resolução mágica dos problemas. E adiam. Um adiamento ad aeternum, que deixa de ser construtivo na medida em que não permite uma adequada resolução dos problemas.
E como se sentem as crianças que vivenciam estes faz-de-conta?
“Eles pensam que nós não percebemos”, dizia uma rapariga de 11 anos de idade. “Mas claro que nós percebemos, ouvimos e vemos as coisas... e vemos que mal se falam, que não gostam um do outro, que fazem o favor de se aturarem um ao outro...”
Mesmo sem a ocorrência de discussões ou gritos, as crianças percebem a distância, o vazio, a ausência de afecto positivo entre os pais. Percebem que vivem uma vida de fantasia e de aparência, e que aquilo que transmitem para o exterior não é real.
Será isto o melhor para as crianças? Será esta vivência estruturante para o seu desenvolvimento e organização interna? Temos muitas dúvidas que assim seja.
Pois os pais são os principais modelos que as crianças têm. É para eles que olham e com quem aprendem por imitação. E o que aprendem quando observam os pais neste jogo de faz-de-conta? Que é legítimo negar a realidade? Que os problemas podem desaparecer se forem ignorados? Que corresponder àquilo que a sociedade espera é mais importante do que aquilo que realmente se sente?
Não queremos crianças que crescem num mundo de faz-de-conta, que se contentam com migalhas de amor e que aprendem a esconder as dificuldades.
As crianças precisam de crescer em ambientes seguros, harmoniosos e plenos de afecto. Sentir que são amadas de forma incondicional e, ao mesmo tempo, que as pessoas que as rodeiam também se amam. Que se respeitam e resolvem as divergências de forma ajustada, sem processos de negação, minimização ou adiamento. Queremos crianças saudáveis, física e psicologicamente, felizes e, também, com competências para resolver problemas. O que implica saber identificar os problemas, pensar em alternativas de resposta, ponderar vantagens e desvantagens de cada uma, antecipar possíveis consequências e, só depois, escolher e implementar a alternativa mais adequada. Não, não existem alternativas perfeitas e cor-de-rosa que apenas têm vantagens. Todas têm custos e benefícios, que importa aprender a identificar.
Fazer-de-conta-que-se-é-feliz não traz felicidade.
Sabemos que mudar custa. Abandonar as zonas de conforto, enfrentar o desconhecido e arriscar gera sempre muita ansiedade. Mas faz parte da vida e do processo de crescimento.
Vamos fazer tudo para ser felizes. E não fazer de conta que o somos.