Croft, uma história muito mais antiga que o vinho do Porto

Para assinalar os 430 anos do seu início de actividade, a Croft lançou um Ruby Reserva e deu a provar vinhos jovens de meados do século passado.

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Anabela Rosas Trindade/Artstudio

Mais velho que o vinho do Porto é sinónimo de assinalável antiguidade, mas na Croft é mesmo preciso recuar até muito antes do vinho do Porto para contar a história desta casa de vinhos. Sim, os vinhos que começaram a ser comercializados de Portugal para Inglaterra com base nos direitos atribuídos por Elizabeth I em 1581 à Companhia de Mercadores de YorK. O mesmo ano em que as Cortes de Tomar confirmavam Filipe I como rei de Portugal.

Só sete anos mais tarde, em 1588, Henry Thompson se torna membro da companhia e funda a empresa dedicada a transaccionar vinhos de Portugal para Inglaterra. Estava então o país sob domínio de Castela, que avançou nesse mesmo ano para a frustrada invasão de Inglaterra com a célebre Armada Invencível.

É precisamente dois séculos depois, em 1788, que é registada a expedição para Inglaterra daquele que é considerado como o primeiro vintage. Tratava-se do vinho da colheita de 1781 e o livro de registos que assinala a expedição de 144 pipas pode ainda hoje ser consultado na firma. 

Pelo meio, a firma de Thompson cruza-se com a família Croft — John Croft, em 1736, foi o primeiro — e assim chega até hoje como a casa Porto Croft, depois de em 1962 ter sido vendida a uma multinacional do sector e depois, em 2001, ao Grupo The Fladgate Partnership.

Para Adrian Bridge, director-geral da Croft e líder do grupo The Fladgate, este é o ano para celebrar os 430 anos da Croft e da identidade secular dos seus vinhos, mas aproveita também para lembrar que se cumpre uma década sobre o polémico lançamento do Croft Pink, o primeiro vinho do Porto rosé, cujo lançamento sublinha também o espírito pioneiro que caracteriza a história da casa.

Para marcar a centenária efeméride foi lançado o Croft 430th Anniversary Celebration Edition, um Porto Reserva Ruby de edição limitada que o director de enologia da casa, David Guimaraens, descreve como exibindo todo o carácter frutado que marca o estilo da Croft, cujos vinhos são conhecidos pelos seus aromas de fruta pungente e taninos sedosos. O vinho, um lote criado para esta edição, está pronto a beber e começa a ser comercializado agora no início de Julho, com o preço indicado de 17,90€.

Curioso é que para o rótulo foi escolhida uma imagem que traz à memória os tempos mais conturbados da nacionalidade. A reprodução de uma obra do holandês Jan Luyken, do Rijksmuseum de Amesterdão, que retrata o naufrágio da célebre Armada Invencível, que foi destruída na tentativa de invasão da Inglaterra em 1588, precisamente no ano de criação da empresa que viria a ser a Croft. Nessa época estava Portugal sob domínio de Castela e sabe-se que eram portuguesas muitas das naus então abatidas pelos ingleses.

A identidade da Croft

Podia ter sido o mote também para a magistral (e didáctica) lição de enologia e viticultura que David Guimaraens acabou por proporcionar com a prova de vintages comemorativa do 430.º aniversário que a Croft proporcionou na Feitoria Inglesa. Momento único, com vinhos desde 1945 até à colheita de 2016,através dos quais explicou que os tempos de agitação e mudança, a absorção de novos conceitos e métodos também se evidenciam num copo de vinho.

Numa primeira série alinharam vintages de 1945 a 1966, onde se destacou claramente o fabuloso 1945, cuja frescura e juventude parecem eternas. Interessante notar que já em 2001 — quando a The Fladgate fez uma prova histórica depois de ter adquirido a Croft — este vintage se distinguia pelo “notável grau de concentração e juventude para a idade”, como então anotou Richard Mayson.

Com esta série David destacou a consistência quanto ao método de vinificação e de mistura de castas na vinha, que viriam a ser radicalmente alterados com a mudança de proprietários na década de sessenta, e com as alterações sociais que se seguiram nos anos setenta. Com vinhos de 1970 a 1994, mostra que há sempre o frutado exótico característico da Quinta da Roêda, mas que os vinhos se tornam muito iguais de ano para ano. Consequência da mudança na adega para a pisa mecânica e da falta de mão-de-obra na vinha que leva à mecanização — que obrigou a concentrar castas — e ao que chamou “a euforia a monocasta”.

David Guimaraens diz que a mecanização teve tanto impacto no Douro como a filoxera e que para voltar a ter a mesma qualidade e complexidade das vinhas velhas de antes, houve que replantar vinhas que tinham sido plantadas nos anos 1970 e 80. Voltar as velhas castas, como a Touriga Francesa, patamares de um bardo e viticultura sustentável (que já foi premiada) que trouxeram de volta aos vinhos a complexidade de outros tempos, tal como comprovou com a evolução dos vintage do ano 2000 a 2016.

“A Roêda ensinou-nos muito”, garante David Guimaraens, mostrando que voltaram a dar atenção às uvas, a valorizar a identidade das vinhas e também a pisa a pé em lagares de granito a partir de 2003. “É assim que se faz consistência e carácter. O enólogo não é importante, o importante é a casa, o vinho e o seu estilo. A identidade da Croft é a da Roêda, não a do enólogo.”

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