Estudos de Género e investimento público — um problema
Os Estudos de Género constituem uma área científica interdisciplinar e autónoma que compreende os Estudos Feministas, os Estudos sobre as Mulheres e os Estudos LGBTIQ+. Em Portugal, este campo destaca-se por um significativo contributo para a modernização, dinamismo e internacionalização da investigação, caracterizando-se pela capacidade de atracção de estudantes de doutoramento e investigadoras/es em graus diversos da carreira científica, pela existência de redes de pesquisa fortemente internacionalizadas, pela obtenção de financiamentos competitivos a nível europeu e pelo impacto social e político da área, através, por exemplo, da transferência de conhecimento fundamental à formulação, implementação e/ou avaliação de políticas públicas. Dada a natureza interseccional do género e da sexualidade, também o campo teórico atravessa outras áreas do conhecimento, promovendo aprendizagens partilhadas nas esferas da educação, da saúde, da habitação, da diversidade cultural ou do envelhecimento, para citar alguns exemplos.
No entanto, apesar de reconhecidos os critérios que lhe conferem excelência, os recursos necessários à sustentabilidade continuada destes sucessos permanecem ausentes das Políticas para a Ciência.
Em 2017 o documento Reforçar o Sucesso e a Excelência dos Estudos de Género em Portugal: Recomendações ao nível de Políticas para a Ciência, subscrito por especialistas em Estudos de Género, identificou um pacote de medidas consideradas fundamentais para o bom desenvolvimento deste campo científico no país. Entre esse conjunto de observações, constava: a) a integração de pelo menos um/a especialista na área dos Estudos de Género em painéis de avaliação de projetos e bolsas em concursos científicos; b) a norma dos 40% como patamar mínimo de representação para cada um dos sexos na composição de painéis de avaliação; e c) a promoção de concursos públicos dirigidos à comunidade científica nacional, via Fundação para a Ciência e Tecnologia, na área específica dos Estudos de Género.
Cada uma destas recomendações formuladas com base em modelos já testados com sucesso noutros países continua hoje por responder. A decisão de investir proactivamente no mainstreaming de género na política científica não deve ser adiada, sob pena da manutenção dos enviesamentos históricos assentes na desigualdade entre mulheres e homens e na ideologia patriarcal que lhe subjaz e que se materializa em poderosos obstáculos à investigação. Nesta matéria, assegurar condições justas para o acesso a financiamento autónomo assume crescente importância. Disso se deram conta, por exemplo, a Netherlands Organisation for Scientific Research, que integra especialistas de género em painéis de avaliação de bolsas individuais, e o Research Council of Norway, que em 2014 aprovou uma política de promoção da igualdade de género que inclui a inclusão de especialistas de género nos processos de avaliação da investigação.
Em Portugal, a falta de investimento público direto na área dos Estudos de Género ameaça o desenvolvimento continuado da área, desmerecendo as metas já alcançadas. Sem ele, o caminho da igualdade de oportunidades independentemente da identidade ou expressão de género continua a passar ao lado da política científica.
Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra