Diz-se que há mais de dois mil anos os romanos ali descobriram uma água que curava. Mais de um milénio depois, também D. Afonso Henriques foi às Caldas Lafonenses tratar uma fractura numa perna sofrida na Batalha de Badajoz, em 1169. E também D. Amélia, última rainha de Portugal, ali foi tratar-se dos ossos que suportavam os seus quase dois metros de altura.
Na antiga Vila do Banho estão hoje as Termas de S. Pedro do Sul, cuja água termal provém de um aquífero profundo de rochas graníticas que se estende ao longo de uma grande falha geológica, a de Ribamar, que atravessa esta região do centro do país. É como se a Terra abrisse para a água brotar à superfície bem quente — a 68,7 graus constantes —, por um furo de meio quilómetro, de onde saem 12 litros por segundo.
As águas termais de São Pedro do Sul cheiram a enxofre e prometem melhorias a quem tem problemas do aparelho respiratório, dos músculos ou do sistema metabólico-endócrino. Quem lá manda, diz que é boa também para a pele. E pode ser justamente a pele a próxima caixa de Pandora das termas em Portugal.
O que se conhece de dermocosmética em Portugal associa-se às águas termais francesas, lançadas por estâncias como a de Vichy, Avène ou Uriage – nomes que nos habituámos a ver nas prateleiras das farmácias – que há largos anos se lançaram a desenvolver linhas de cuidados para a pele, incorporando-lhes a água termal.
Em Portugal, o aproveitamento dos benefícios destas águas – até agora usadas apenas nas estâncias termais –, e a oportunidade para cada um de nós poder levar alguns desses benefícios para casa, só agora surge com mais força.
Há quase uma década que em São Pedro do Sul se estuda a aplicação da água termal em cremes, sabonetes ou óleos corporais. Há quatro anos, acabou por se acertar na fórmula mágica que permitiu a criação dos primeiros dermocosméticos com aquela água sulfurosa. A AQVA é “a primeira linha dermocosmética nacional com água termal”, diz Vítor Leal, que tem nas mãos a gestão daquele complexo termal, mas tem também a tarefa de gerir a Associação das Termas de Portugal.
Para já, há uma linha hidratante (com creme de rosto, óleo corporal, base lavante e sabonete, entre os 3,5 e os 14 euros). Mas a linha tem crescido com a introdução de produtos anti-rugas (creme e máscara de rosto, entre os 28 e os 29,5 euros). “Só em 2017 facturamos 170 mil euros com os produtos de dermocosmética”, revela Vítor Leal. Os indicadores são positivos, mas há ainda um longo caminho a percorrer no aproveitamento de “todos os benefícios da água termal”, reconhece.
Mais a Norte, em Chaves, surgiu, este ano, outra linha para “aliar as características únicas das águas termais flavienses aos tratamentos de beleza”. A água que brota em Chaves a 76ºC é rica em minerais, e já está também incorporada em sabonetes, e cremes para rosto, corpo e mãos.
Em São Pedro do Sul, os estudos das universidades da Beira Interior e de Coimbra à água continuam para que, em breve, possa ser lançada uma linha para homem.
Abre-se assim outra janela de negócio em torno das estâncias termais, acredita Vítor Leal. Sobretudo porque a componente terapêutica das estâncias “têm vindo a decair” e a estratégia passa agora por criar ofertas voltadas para o puro bem-estar, como as massagens, os tratamentos estéticos no spa, onde os produtos dermoscosméticos possam ser utilizados e apresentados aos clientes.
Um eco-resort com energia geotérmica
Com o espelho de água do rio Vouga mesmo ao lado e rodeadas pelas serras da Arada e da Freita e pelo monte de São Macário, as Termas de S. Pedro do Sul querem tornar-se num “eco-resort termal”, assume Vítor Leal.
Não para chegar ao ambiente frenético e (demasiado) estimulante dos resorts, mas antes para aproveitar e alargar as características e potencialidades da água a outros agentes económicos da região. A começar pelos hotéis.
Como a água ali nasce a quase 69 graus centígrados, precisa de ser arrefecida para que possa ser utilizada em tratamentos e banhos. É por isso que as termas estão a desenvolver um projecto que quer levar energia geotérmica a todos os hotéis próximos da estância termal. “Temos uma central geotérmica que nos permite fazer um arrefecimento mais rápido e ao mesmo tempo aproveitar todo o calor que temos necessidade de libertar”, explica Pedro Vieira, técnico das termas.
Desta forma, reduz-se a utilização de energia que liberta dióxido de carbono, através da utilização de energia geotérmica. Para já, além dos balneários, o Hotel Parque, onde a Fugas ficou alojada, é um dos hotéis onde as águas dos aquecimentos centrais, dos banhos, das cozinhas vêm à central para serem aquecidas. É um processo semelhante ao que acontece num radiador de um carro, diz Pedro Vieira, em que o calor é transferido para a água, que depois regressa ao hotel.
Em curso está a instalação de uma rede para levar energia geotérmica aos restantes hotéis das termas, principalmente àqueles que têm também piscinas interiores que têm de ser aquecidas.
Uma rede para unir as termas
Sendo o centro do país uma das regiões mais ricas em actividade termal, a delegação Centro das Termas de Portugal decidiu desenhar uma estratégia conjunta para as estâncias termais da zona centro do país. Nasce assim a rede Termas Centro, que elaborou um guia para dar a conhecer aos aquistas (e não só) as propriedades das águas de 18 estâncias termais do centro do país, assim como os melhores locais para comer, dormir e visitar, enquanto se fazem tratamentos termais.
As termas de Alcafache, de Almeida - Fonte Santa, de Águas - Penamacor, Caldas da Felgueira, Caldas da Rainha, do Carvalhal, da Curia, do Cró, da Ladeira de Envendos, de Longroiva, de Luso, de Manteigas, de Monfortinho, de Monte Real, de Sangemil, de S. Pedro do Sul, Termas de Unhais da Serra, Termas de Vale da Mó, fazem parte desta lista, que não é fechada, e poderá integrar mais estâncias.
“Este é um dos produtos âncora para nós combatermos problemas estruturais no centro de Portugal”, reconheceu Pedro Machado, presidente da Entidade Regional de Turismo do Centro, na apresentação deste guia, que decorreu a 14 de Junho, no Luso.
A região centro cresceu acima da média nacional em número de visitas estrangeiras ( mais de 26%), apontou, o que significa que há “um novo perfil de um novo consumidor que hoje vem para o centro de Portugal” que precisa de ser correspondido.
As zonas termais estão situadas em locais de baixa densidade, no Portugal profundo como muitos lhe chamam, que precisa de gente, de movimento, de serviços e negócios que ponham a mexer as economias locais.
Os responsáveis acreditam que as estâncias termais podem também funcionar como alavanca económica para a promoção desses territórios. Como? Atraindo mais gente jovem e apostando no turismo médico.
“O centro de Portugal quer verdadeiramente assumir esta sua condição de primeiro destino nacional neste produto turístico que são as termas, o wellness, a saúde e bem-estar”, atira Pedro Machado, sobretudo porque grande parte dos utentes de S. Pedro do Sul ainda são mais idosos. Em termos de termalismo terapêutico as termas recebem, por ano, 12 mil aquistas. Cerca de cinco mil já ali se deslocam em busca de tratamentos estéticos e de bem-estar.
Como as águas de S. Pedro do Sul mereceram a aprovação real, os dois balneários que compõe a estância receberam os seus nomes: o Rainha Dona Amélia, mais voltado para o bem-estar e o D. Afonso Henriques, vocacionado para a cura termal, para o tratamento das vias respiratórias e problemas músculo-esqueléticos.
Neste complexo, onde se inclui hotéis e restaurantes da zona, estão a ser investidos cerca de 14 milhões de euros. Duas unidades hoteleiras próximas às termas vão fazer obras profundas de remodelação para passarem de três para quatro estrelas.
Ao mesmo tempo, estão a ser desenvolvidas actividades para combater a sazonalidade dos tratamentos termais, normalmente mais procurados na Primavera e no Verão. Vai entrar em obra um percurso lúdico à volta do rio Vouga que vai ligar o centro das termas à ecopista do Dão.
Em S. Pedro do Sul, “a natureza capricha em exuberância”, já dizia Ramalho Ortigão, e há muito por onde os aquistas se possam perder. A dois passos estão as pitorescas Aldeias de Xisto como a da Pena, onde “o morto matou o vivo”, ou o monte de São Macário, de onde se avistam as serras da Freita e Arouca. O melhor é ir conhecer estas terras de estórias e lendas pela mão de locais. Só eles as sabem contar.