Como exercício físico, João apanha lixo todos os dias — eis o plogging

E se da próxima vez que fores caminhar, correr ou andar de bicicleta ou skate levares um saco para apanhares o lixo que te aparecer no caminho? Plogging é uma nova actividade física que também deixa o planeta em boa forma. Começou na Suécia, mas já tem adeptos em Portugal.

João Pinto calça as luvas, sacode com força o saco para o lixo, que trazia na mochila, e alonga os braços, um de cada vez. “Começo já aqui?”, pergunta-nos, à entrada do matagal em Andrães, Vila Real, para onde vai todos os dias caminhar e apanhar lixo na companhia de um cão de grande porte, Beni. “É que se apanho isto tudo vou encher os sacos que trouxe antes de andarmos 200 metros.”

Embora esta forma de actividade física tenha entrado na rotina diária de João, 36 anos, em Março de 2017, foi só depois, no início deste ano, que descobriu que havia um nome — e uma nova “tendência” global — para o que ele já fazia “naturalmente”: “Plogging", ri-se, enquanto faz um agachamento para puxar da terra um pedaço de plástico que se revela maior do que o esperado. Com algum esforço, enfia-o no primeiro saco, já a transbordar, dá um nó e segue caminho, a ritmo acelerado. “Sempre plástico”, mostra, com um encolher de ombros. “Quem quiser começar que comece pelo plástico porque já vai ter muito que apanhar, infelizmente.”

Alguns passos depois, repete o processo. “É, parece que sou um plogger”, troça e acentua a última palavra com sarcasmo.Eu achava que o que fazia era caminhar e apanhar resíduos; não sabia que existia um termo específico.”

Descobriu o termo sueco (a palavra plogging combina outras duas da língua nórdica, plocka upp e jogga, ou seja, “apanhar” e “correr”), por acaso, num vídeo divulgado no Facebook pela plataforma Playground Brasil. Apresentava-se como “um desporto sueco com cada vez mais adeptos” que poderia fomentar “comunidades activas e limpas”. Pesquisou mais e percebeu “que a moda já estava a chegar a todo o lado” e que começavam a aparecer em Portugal eventos abertos ao público, organizados por associações, equipas ou empresas, que juntavam a corrida ou a caminhada em grupos com a limpeza de praias e estradas, por exemplo.

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O movimento “de organização popular” terá despertado em 2016 com Erik Ahlström, um sueco, atleta de corrida e ambientalista que, quando regressou a Estocolmo, depois de 20 anos a viver fora da capital, a encontrou mais poluída. Em 2017, “plogga já era uma das 38 novas palavras suecas”, conta, no site onde divulga a actividade que acrescenta variedade de movimentos à caminhada ou à corrida, como agachamentos, além de cortar com o aborrecimento de seguir sempre em frente.

Dois quilogramas de lixo em cada braço

Tiramos as medidas ao trilho de terra que se estende à nossa frente. No chão, jazem garrafas de plástico; mais um passo e deterioram-se lenços de papel ou maços de tabaco; outro e por entre folhas caídas surgem embalagens completas, de hambúrguer à bebida (com palhinha), de conhecidos restaurantes de fast-food. Todos recipientes vazios e, portanto, todos em fim de vida — normalmente bastante curta. Basta pensar que a vida útil média de um saco de plástico como o que acabamos agora de pisar não é uma vida, mas apenas 15 minutos.

Em igual período de tempo, João, que tem um olho treinado, já carrega quase dois quilogramas de lixo em cada braço. Se estiver dentro da média nacional, esta quantidade de resíduos equivale à que ele mesmo deverá produzir em dois dias. Cada cidadão a residir em Portugal continental produziu, em média, 1,32 quilogramas de resíduos por dia, em 2017, segundo os últimos dados provisórios do relatório do Estado do Ambiente, divulgado este mês pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Isto equivale a um total de 4,75 milhões de toneladas de resíduos urbanos recolhidos, que representam um aumento de 2,3 por cento em relação ao ano anterior. Destes, 80 por cento tiveram origem em recolha indiferenciada.

Os que ele agora transporta, abandonados ali por alguém que passou primeiro, nem chegariam a entrar nestas contas. “É mais cómodo a pessoa abrir o vidro do carro e deitar fora do que aguardar dois minutos e deitar no recipiente adequado”, comenta, com um encolher de ombros. “Mas, a sério, não custa nada, não pesa nada e o ambiente agradece”, apregoa, a olhar para a câmara e a sorrir como se estivesse num anúncio publicitário, enquanto faz o caminho de volta, já mais ofegante.

“Eu fazia este percurso e acho que foi uma questão de bom senso e de civismo. Se estou a passar aqui diariamente e estou a ver isto, não me custa nada trazer dois ou três sacos e ir apanhando”, diz. “A questão ambiental cada vez nos preocupa mais, mas eu acho que se cada um fizer o seu bocadinho, muitos bocadinhos dão um “bocadão” considerável.”

Terminada a caminhada (ou antes, o plogging), a primeira paragem nunca é a porta de casa, mas o ecoponto, mesmo em frente ao movimentado café da freguesia onde moram pouco mais de mil habitantes — e onde, por isso mesmo, a rotina de João não passa despercebida. “Quando as garrafas de plástico tiverem tara recuperável vai ser toda a gente a apanhar lixo”, brinca. Com alguns espectadores, abre os sacos e separa o que vai ser para reciclar e o que vai para o caixote do lixo indiferenciado. “Às vezes, os materiais estão em tão mau estado que nem sei bem o que foram, nem para onde têm de ir”, hesita, antes de optar pelo recipiente amarelo.

No dia seguinte, antes ou depois de terminar o turno no hipermercado onde trabalha, e no intervalo de outros passatempos (que vão desde os bonsai, cuidar de árvores japonesas ornamentais, a ensaiar com bandas de metal, onde é vocalista), volta a fazer o mesmo percurso, pela mata e pelas estradas pouco movimentadas, durante mais de uma hora. Novas pegadas, as dele mais ecológicas, as de quem lá antes deixou a garrafa da corrida nem tanto, que ocupam o lugar do que já tinha sido recolhido em dias anteriores.

“Às vezes é frustrante”, diz, “eu vou andar e sei que encontro sempre lixo e irei sempre encontrar”. Não gosta de culpar a “educação” de quem o faz, não sabe se deve acusar “a mentalidade”, até porque, admite, ele mesmo já atirou lixo para o chão. Mas esta não era “a marca que queria deixar no planeta”, nem os ensinamentos que gostava de “transmitir para as gerações futuras” e, por isso, reajustou estes e outros comportamentos.

"Não é show off"

Em Abril deste ano, criou uma página de Facebook dedicada à forma de actividade física que ele e outros praticam diariamente. Lembra-se de ter pedido a um amigo que lhe desenhasse um logótipo para usar como fotografia de perfil e, quando este lhe perguntou “o que era isto”, respondeu simplesmente: “Isto é o futuro”.

A Plogging Portugal conta com pouco mais de cem seguidores e serve como “plataforma de partilha e entreajuda”, para divulgar eventos em Portugal, que lhe chegam através de mensagens privadas.

Em Mirandela, no distrito de Bragança, por exemplo, o Movimento pelo Desenvolvimento do Interior organiza todas as quartas-feiras, às 18h30, um destes encontros. Também já em Beja se devolveu “a beleza à cidade e ao planeta”, o mesmo no Algarve, na Vidigueira, em Aveiro ou em Espinho, corridas que agora são solidárias também pelo ambiente.

E antes deste movimento arrancar, a Run Eco Team, uma iniciativa nascida no Facebook em 2016, já deixava marcas positivas nas redes sociais, sempre com a mesma descrição: “Uma corrida, um lixo” (e uma selfie). No grupo português são partilhadas todos os dias fotografias onde quem vai correr, andar ou pedalar exibe a recolha do dia, com paisagens de fundo que vão desde praias, às montanhas até às lagoas dos Açores.

Para João Pinto, o plogging não deve ser encarado “como um evento”. “Isto não é propriamente um festival. É algo que devemos fazer diariamente, por nós e por todos.” Pensa duas vezes antes de provocar: “Não é show off, pronto”. Tira as luvas. O treino, por hoje, está feito.

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