Generalitat pede “diálogo” e “risco” a Sánchez mal este tomou posse

Ironia ou coincidência, o novo chefe do Governo espanhol jurou cumprir a Constituição minutos antes Quim Torra dar posse aos seus novos conselheiros. O socialista ainda não tem executivo mas já lhe sobram desafios.

Felipe VI de Espanha, Pedro Sánchez, Palácio de Zarzuela, Mariano Rajoy, Primeiro Ministro de Espanha
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Entre Sánchez e Rajoy, o mais sorridente era o rei Felipe VI Emilio Naranjo/Reuters
Quim Torra, Pedro Sánchez, Mariano Rajoy, Felipe VI de Espanha, Palau de la Generalitat de Catalunya
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O novo governo catalão, chefiado por Quim Torra Quique Garcia/EPA

Sem Bíblia nem cruxifixo mas na presença do rei, Pedro Sánchez tomou posse menos de 24h depois de ter visto aprovada no Congresso a sua moção de censura contra o Governo de Mariano Rajoy. Tinha passado meia hora desde que o socialista jurara cumprir e fazer cumprir a Constituição no Palácio da Zarzuela, em Madrid, quando se iniciou a cerimónia de tomada de posse dos 13 novos conselheiros (ministros) da Generalitat. Em Barcelona, ninguém jurou governar de acordo com a Lei Fundamental e muitos gritaram “Viva a Catalunha livre e republicana”.

“Prometo pela minha consciência e honra cumprir fielmente as obrigações do cargo de presidente do Governo com lealdade ao rei, e cumprir e fazer cumprir a Constituição como normal fundamental do Estado, assim como manter o segredo das deliberações do Conselho de Ministros”, afirmou Sánchez, um pouco nervoso, com a mão direita na Constituição aberta em cima de uma mesa, sob o olhar atento do rei Felipe VI. A ausência da Bíblia e do habitual cruxifixo na mesma mesa foi muito notada pela imprensa – é o primeiro chefe de Governo a prescindir dos símbolos católicos.

Depois dos apertos de mão e felicitações do rei, a primeira saudação que o novo primeiro-ministro recebeu veio daquele que derrotou com a primeira moção de censura bem-sucedida de democracia em Espanha, Mariano Rajoy. “Muita sorte”, disse-lhe o dirigente conservador, que governava o país desde Novembro de 2011. Da Zarzuela, a residência oficial dos reis, Sánchez partiu para uma primeira visita à Moncloa, a sua próxima casa de onde Rajoy se apressa por estes dias a sair.

Com mais ou menos apoio do executivo cessante, certo é que o novo chefe de Governo terá de nomear ministros e iniciar realmente funções em poucos dias. Até à posse do novo executivo, que já se sabe será totalmente socialista e paritário (algo que só José Rodriguez Zapatero conseguiu, em 2004), Sánchez é chefe do executivo nomeado por Rajoy.

A coincidência da votação da moção de censura, aprovada com 180 votos contra 169 (os deputados do PP e do Cidadãos) e o apoio de todos os partidos (e uma abstenção do eleito da Coligação Canária), uma semana depois do seu registo no Congresso, uma semana depois da sentença do caso Gürtel, que desencadeou o processo, fez com que Sánchez tomasse posse no mesmo dia da nova Generalitat. Assim, chegava a primeiro-ministro ao mesmo tempo que deixava de vigorar o artigo 155, que permitiu a Rajoy (com o apoio do PSOE e do C’s) suspender as instituições catalãs e governar a região autonómica desde 27 de Outubro.

De governo a governo

Quim Torra, o presidente que sucede ao cessado Carles Puigdemont (em Berlim, à espera de saber se será extraditado), dirigiu-se directamente a Sánchez no seu discurso no Salão de S. Jordi (o mais nobre) do Palau da Generalitat. “Falemos, discutamos, tomemos riscos, vocês e nós. Sentemo-nos à mesma mesa e negociemos de governo a governo porque a situação que vivemos não pode prolongar-se”, pediu Torra.

Numa cerimónia muito coreografada, transformada numa homenagem aos dirigentes presos (quatro dos quais Torra chegou a nomear conselheiros, o que Rajoy vetou) e em fuga (como Puigdemont), não esteve ninguém sem laço amarelo ao peito (símbolo dos que os catalães consideram presos políticos). Aliás, Torra anunciou que este é o novo símbolo da Generalitat, o que levou ao boicote da tomada de posse por parte do C’s e do PP.

Torra pediu diálogo a Sánchez mas até ele sabe que o socialista não tem como travar a Justiça (Rajoy fez da crise política catalã um caso de polícia e isso não tem marcha atrás), libertar quem está na cadeia ou permitir o regresso ao poder de dirigentes acusados de “rebelião e desvio de fundos” por causa do referendo sobre a independência. Depois, prometeu “avançar com o referendo de autodeterminação de 1 de Outubro para construir um Estado independente em forma de república”.

Ora, o socialista Sánchez sabe que conversar com Torra e iniciar algum tipo de processo negocial (que Rajoy sempre recusou, escudando-se na inconstitucionalidade das pretensões independentistas) terá de ser uma das suas prioridades. Mas também sabe que nada do que pretende fazer no que resta de legislatura, até Junho de 2020, será tão delicado.

Na Sala de S. Jordi não só não houve juras à Constituição como não se viu a imagem do rei – como noutras alturas, no local habitual do retrato do monarca esteve um pano negro. Sánchez defende uma Espanha plurinacional e quer reformar a Constituição no sentido do federalismo, mas não admite ceder na integridade territorial do país nem aceita que “nação” dê direito a soberania – isto, claro está, no contexto de uma monarquia.

Critérios de sucesso

Para além de tentar pôr fim ao bloqueio de comunicação dentre Madrid e Barcelona, com 84 deputados em 350 e sem qualquer pacto de investidura ou legislatura, o novo primeiro-ministro vai centrar-se em recuperar iniciativas para revogar leis aprovadas pelo PP quando tinha maioria absoluta e impulsionar propostas que antecipa venham a ter um apoio amplo.

Sabe-se que entre estas está o acesso universal ao sistema de saúde público, uma lei de igualdade salarial entre homens e mulheres e outra que garanta a igualdade de género do trabalho. Também quer reactivar o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, aprovar uma Lei de Transição Energética e Mudanças Climáticas que incentive a produção de energias renováveis e promover outra para transformar as bolsas educativas num direito – isto com um orçamento já aprovado sem o seu apoio e no qual se comprometeu a não mexer.

Se fizer metade disto, quando tantos consideram que chefiará um governo inviável, é bem provável que recupere parte dos eleitores socialistas em fuga e fortaleça a sua liderança no PSOE. O desafio mais importante é sem dúvida aquele que lhe coloca o independentismo catalão. Mas face a Rajoy, que se limitou a provocar um extremar inaudito de posições, só a abertura de diálogo já poderá ser considerado um sucesso.

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