O Walk & Talk vai continuar a esticar os limites dos Açores
De 29 de Junho a 14 de Julho, a ilha de São Miguel voltará a experienciar o festival interdisciplinar, que à oitava edição abre cada vez mais o arquipélago à criação contemporânea.
Tendemos a ver uma ilha como algo fechado, fixo, intocado. É ainda a percepção que muitos têm dos Açores, e em particular de São Miguel, onde de 29 de Junho a 14 de Julho decorrerá a oitava edição do festival interdisciplinar Walk & Talk. Este ano, através do circuito de arte pública, o festival vai tentar complexificar essa ideia. “Convidámos a curadora inglesa Dani Admiss, que é alguém que olha para a ilha como ponto de intersecção, espaço de acolhimento e de recepção, de chegada e partida, como uma rede.”
Quem o diz é Jesse James, o principal responsável pelo festival, ao lado de Sofia Carolina Botelho e Luís Brum. “Aquilo que ela vai criar deixa de ser um circuito de arte pública no sentido mais clássico – com arte visual, murais ou arquitectura – para se tornar numa exposição expandida do território. E vai trazer artistas totalmente fora do contexto português, que pertencem a outras redes, o que é refrescante.”
O mote do circuito de arte pública deste ano é Assembling an Island, acabando por respirar muito da filosofia da Internet, do digital e das redes sociais. Constituirá um desafio a forma como vai adquirir fisicalidade, estendendo-se de Ponta Delgada a Vila Franca, passando pelo Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande, ou pela Lagoa das Sete Cidades, e integrando artistas como Camposaz, Rourke + Luiza Prado ou Navine Khan Dossos. “Vamos continuar a esticar os limites da ilha e isso deixa-nos entusiasmados”, exclama Jesse James, antecipando ao PÚBLICO uma edição que pretende ser especial.
“A edição do ano passado foi dura, porque perdemos aquela que era a nossa casa desde sempre, no centro de Ponta Delgada”, recorda, “de tal forma que nos obrigamos a repensar a direcção artística e a nossa missão para as próximas edições”. Nesse contexto, a direcção do Walk & Talk voltou a questões essenciais, como a de perceber a quem se estava a dirigir. “Num primeiro nível, estamos a trabalhar para quem vive nos Açores, para as pessoas poderem participar ou usufruir das coisas que propomos. Mas também nos interessa um publico mais atento, ligado ao meio artístico, e mais exigente. A ideia é tentar encontrar esse equilíbrio.”
Para já, vai ser construído um pavilhão temporário, em frente ao Teatro Micaelense, no coração de Ponta Delgada, que servirá de sede do evento a partir desta oitava edição: “Convidámos o atelier de arquitectura Mezzo, com o qual já colaborámos no passado, e serão eles a conceber um espaço com madeira.” O espaço servirá de ponto de encontro, com palco, auditório, bar e cantina, numa relação de contiguidade com o Teatro Micaelense que Jesse James valoriza. “Se no início existia desconfiança dos organismos açorianos, hoje sente-se uma vontade de partilha de riscos, o que é saudável. O Micaelense é um grande parceiro. E ali irão acontecer residências artísticas, ensaios e uma parte da programação ao longo das duas semanas de festival.”
Paralelamente ao circuito de arte pública, que esteve na génese do festival há oito anos, haverá também um programa de exposições, com destaque para a colectiva Untitled (How Does it Feel), com curadoria de João Mourão e Luís Silva, e obras, entre outros, de André Romão, Anna Franceschini ou Joana Escoval.
“Por trás da exposição está essa ideia de voltarmos à capacidade de sedução que uma obra de arte pode conter, o que é pertinente num contexto como os Açores.” A exposição vai ocupar o quarto andar – até agora abandonado – do Sol Mar Avenida Center, uma torre com 24 anos cuja construção foi deliberada pela população, mas que entretanto caiu no esquecimento. “Interessa-nos dar a conhecer espaços com pouca visibilidade, mas acima de tudo queremos desenvolver uma boa exposição e torná-la generosa, pensando nas estratégias que podem ser implementadas para garantir que o máximo de pessoas possa ter uma boa experiência”, argumenta Jesse James.
Das artes à festa
As imagens fotográficas de Manuela Marques, na galeria Fonseca Macedo, a colectiva Ilha, com coordenação de Alejandra Jana Montecinos, ou El Ovido, da guatemalteca Maya Saravia, resultante de uma residência artística iniciada em 2017, também integrarão o programa de exposições. Mas o festival iniciar-se-á com artes performativas, a 29 de Junho: o espectáculo de abertura, Cortado por Todos os Lados, Aberto por Todos os Cantos, do brasileiro Gustavo Círiaco, que se estreou esta terça-feira no Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa, no âmbito do Alkantara Festival, resultou de uma residência no Walk & Talk. “Nesta edição vamos estrear uma série de coisas resultantes de residências artísticas dos últimos anos, o que é motivador”, reconhece Jesse James, realçando, ainda no campo das artes performativas, Burn Time, de André Uerba, resultado de uma co-produção com a Tanzfabrik Berlin, Nova Criação, de Teresa Silva e Filipe Pereira, co-produção com o festival Materiais Diversos, Antes, de Pedro Penim, e um trabalho de Lígia Soares que o Walk & Talk encomendou e que ali terá a sua primeira apresentação.
Uma residência de design e artesanato, com coordenação de Miguel Flor, ou a exibição na vila de Rabo de Peixe dos screenings resultantes da exposição O Narcisismo das Pequenas Diferenças, de Pauliana Valente Pimentel, que esteve em residência no Walk & Talk há um ano, são outros dos destaques. “E haverá também muita festa!”, garante Jesse James, respondendo a quem acha o festival demasiado sério. “Este é um festival de artes, que tem densidade, e que exige disponibilidade para nos conectarmos com alguns conteúdos, mas também pretende ser uma coisa divertida, da ordem da sociabilização, do prazer.” Aliar essas duas dimensões, misturando pesquisa, experiência e sentido lúdico, é por norma o que define as escolhas musicais, e este ano não será diferente, com nomes como as Thug Unicorn ou o muito celebrado Conan Osiris a fazerem parte do menu.
À oitava edição, o Walk & Talk terá o seu maior orçamento de sempre: pela primeira vez, o festival foi contemplado com um apoio da DGArtes. “É uma espécie de reconhecimento e permite uma diferença substancial no orçamento, que este ano cresce à volta de 60 mil euros, subindo a um total de 170 mil euros”, diz Jesse James.
Esse novo fluxo financeiro poderia ter sido encarado como uma hipótese de o festival crescer em dimensão, mas não foi essa a filosofia adoptada. “Podíamos ampliá-lo ou manter a escala, dando outras condições de trabalho aos artistas, melhorando o acolhimento e pagando ordenados decentes à equipa; optámos pela segunda hipótese. Ainda não é o nível que desejamos, mas é um passo”, advoga Jesse James, vincando que o festival vai investir cada vez no formato de residência artística, que tendencialmente se estenderá por dois anos, entre a investigação e a apresentação, sempre com a meta de pensar a relação com a comunidade local, o conceito de espaço público e de geografia e, este ano, em particular, de ilha.