É comum ao longo da Marginal de Cascais o paredão encher-se de caminheiros, adeptos do skate, ciclistas… Mas este domingo há mais uma razão para pedalar junto à linha oceânica mais próxima de Lisboa: a Europcar, para assinalar o Dia Internacional da Bicicleta, organiza dois passeios de duas rodas, às 10h e às 15h, com um guia especializado – a participação é gratuita, bastando inscrição por email ou via Facebook, e o ponto de encontro é na praia da Duquesa, junto ao parque de estacionamento próximo do Palácio do Duque de Palmela.
Os passeios, considerados de nível fácil e com uma duração aproximada de duas horas e meia cada, contam com paragens para a apresentação de histórias, factos e curiosidades sobre as localidades junto à linha de costa, serpenteando pelo troço mais nobre da Costa do Sol, dos Banhos da Poça ao Tamariz, sempre em busca dos testemunhos do apogeu retro-chique.
Mas, ainda antes de arrancar, há desafio maior: fechar os olhos e imaginar tudo à volta como uma imensa zona árida, estéril, tão longe de Lisboa que foi preciso esperar pelo século XIX para que se começasse a desenhar o destino de veraneio que se tornou, sobretudo após o início dos banhos reais. É este o ponto de viragem e o início da ocupação de uma área que, até então, não representava nenhum tipo de interesse. Primeiro vieram os mais próximos da corte, como os duques de Palmela, a quem se deve uma das primeiras construções, na época encomendada ao inglês Thomas Whyatt, e cuja imponência se observa logo no início do passeio.
Ao contrário da maioria dos passeios por Lisboa, que acompanham o desenvolvimento da cidade no sentido oriente-ocidente, pedalamos em sentido inverso – como, aliás, se deu o crescimento de Cascais: começou por acomodar os monarcas na cidadela, recebeu as primeiras grandes construções, todas voltadas para o mar, o mais próximo possível dos aposentos reais e só depois se começou a espraiar em direcção a Lisboa. A razão não é complicada: o que se pretendia era fugir da metrópole, tendo sido aqui encontrado um cantinho junto ao mar ao qual a maioria não tinha possibilidade de chegar: uma espécie de condomínio fechado cujas características foram alvo de tentativas de repetição, nomeadamente no Monte do Estoril, mas sem sucesso – quase no virar do século, um consórcio tentou criar uma minicidade aqui que copiasse os sucessos das estâncias chiques de veraneio francesas em Nice ou em Biarritz. Mas o grupo acabou por ver os projectos gorados, sobretudo após um processo movido pela Câmara de Cascais e após a suspensão das licenças de jogo.
Da extravagância à decadência
Fortalezas, igrejas e palácios desenham a linha da costa. Mas o que mais impressiona é o enorme conjunto de arquitectura de veraneio – chalés, palacetes, hotéis – em excelente estado de preservação, alguns ainda na posse da mesma família que os mandou construir há mais de cem anos. Outros, porém, começam a chegar ao mercado imobiliário por valores que representam bem a sua importância: há uns “baratinhos”, propostos por três ou quatro milhões, e outros de preços estratosféricos, a atingirem os 14 milhões.
Mas, independentemente do que se passa entre quatro paredes ou de quem são os proprietários, é esta constelação de edifícios que identifica a designada Riviera Portuguesa, servindo de testemunho da vida cosmopolita que já imperou e que, apesar dos passos atrás que vão sendo dados ou dos retrocessos impostos pelos mais variados constrangimentos, continua a dar cartas. Por tudo isto, o guia Luís Maio, cuja experiência nas viagens (foi jornalista-fundador da Fugas) lhe permite um olhar de lince aos mais pequenos detalhes, vai-nos guiando por um roteiro “com forte sabor a nostalgia, algumas pitadas de inveja e uma mão-cheia de interrogações muito actuais”.
Ziguezagueando, chegamos ao Tamariz, onde viramos as costas ao mar para nos posicionarmos bem no centro do jardim que viria a receber as instalações do Casino. Não o espaço idealizado por Fausto Cardoso de Figueiredo (1880-1950), o farmacêutico de Celorico da Beira bem casado que chegou a presidente da Câmara de Cascais e cujas diligências transformaram o rosto do Estoril sobretudo após o autarca ter conseguido a concessão da regulamentação do jogo. Cercado por arquitectos franceses, Fausto de Figueiredo transformou a região, com a criação de infraestruturas que tornaram possível a criação de dois hotéis (Hotel Palácio e o Hotel do Parque) e do jardim onde viria a erguer-se o casino, cuja projecção dá luz verde à electrificação da linha ferroviária, encurtando a distância temporal entre Lisboa e Cascais.
De volta ao início
Regressamos para a orla costeira, com o passeio a ir até São João do Estoril antes de dar meia-volta e regressar ao ponto de partida. Mas ainda não é o fim. A última paragem está reservada para a praia mais central de Cascais, onde efectivamente pouca praia se faz. A praia dos Pescadores, uma pequena enseada onde, como a designação indica, os barcos de pesca se lançavam ao mar e onde também faziam a posterior descarga, começou por ser transformada quando Luís I decidiu ali fazer os seus banhos. Mas, com o fim da monarquia e o posterior início da Primeira Grande Guerra, os destinos de lazer desfizeram-se, imperando a indústria da pesca. Cascais torna-se então num dos centros abastecedores de peixe para conservas, com uma dúzia de fábricas a operarem entre 1915 e 1920, e os banhistas fogem dos maus cheiros.
O esvaziamento da função balnear não impede, porém, que em redor prossiga a maré de construção de casas de veraneio. Por isso, a proposta é para fechar o passeio de bicicleta a observar os edifícios que continuaram a ser erguidos, nomeadamente a Casa Henrique Seixas, do arquitecto Norte Júnior, ou a Casa dos Condes de Monte Real, derivação do estilo Raul Lino.