Os 12 edifícios vistos pelo comissário Nuno Brandão Costa
O Pavilhão de Portugal leva a Veneza 29 arquitectos, autores de 12 intervenções com escalas e ambições muito diferentes. De grandes equipamentos urbanos a pavilhões efémeros, passando por projectos de reabilitação radicais e obras que antes eram entregues a engenheiros marítimos.
Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, Ribeira Grande, São Miguel, Açores, de João Mendes Ribeiro e Menos é Mais (Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos)
“É um centro de artes na Ribeira Grande, numa zona onde não era expectável que existisse um centro destes. Os arquitectos propõem um edifício contemporâneo a partir de uma arquitectura antiga. De uma fábrica de tabaco, que tem aquela morfologia e aquela materialidade das pedras pretas, fazem um centro que não é um volume único, mas antes todo fragmentado. Não se trata de um mimetismo acrítico, porque depois criam formas com autonomia e usam o betão, onde introduzem o pigmento da pedra local. Em relação à cidade, é como se o arquipélago expandisse a construção existente.”
Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, Tours, França, de Aires Mateus e Associados (Manuel Mateus e Francisco Mateus)
“O edifício é, um pouco, o contrário do anterior, é compacto. Os irmãos Aires Mateus pegam num edifício pré-existente, na Escola de Belas-Artes, que tem alguma monumentalidade e uma composição simétrica, e esvaziam-no por dentro, criando uma nave única para uso polivalente. Acrescentam um edifício anexo, mas que se destaca volumetricamente do original. Porém, ao mesmo tempo, vão buscar a escala do edifício existente, as cérceas [alturas, simplificando] do quarteirão, utilizam a mesma pedra, mas com uma nova estereotomia [um corte ou entalhe diferentes], que dá um carisma ao novo edifício. Por dentro, esculpem volumetricamente o espaço, o que tem muito que ver com o trabalho dos irmãos Aires Mateus.”
Centro de Visitantes da Gruta das Torres (Pico, Açores), de SAMI (Inês Vieira da Silva e Miguel Vieira)
“É um obra muito pequena, mas complexa. Os SAMI fazem um edifício de acesso à Gruta das Torres que parece uma osmose com o território — é muito táctil e sensual. Para construir a fachada principal, Inês Vieira da Silva e Miguel Vieira vão buscar os muros que fazem a delimitação dos terrenos no Pico, muito sinuosos e com uma pedra muito irregular. A pedra é colocada de maneira a deixar passar alguma luz para dentro do edifício, funcionando como um véu. Do lado interior, com uma cor de terra, o edifício já aparece mais definido, mas é um volume muito simples, próximo também da ideia de gruta.”
Estação de Metro Município, Nápoles, Itália, de Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura e Tiago Figueiredo
“Quando Eduardo Souto de Moura fez o Metro do Porto, que foi talvez a revolução urbana mais importante das últimas décadas na cidade, construiu-o numa lógica muito racional, com uma paleta muito restrita de pormenores, como o pavimento em granito ou as paredes em azulejo. Sem quebrar exactamente essa regra, Álvaro Siza criou na Estação de São Bento do Porto um espaço muito mais expressionista. Os três arquitectos transportam esse saber e à-vontade para Nápoles, ao mesmo tempo que estabelecem uma relação muito interessante com a arqueologia italiana. A entrada da estação em Nápoles tem uma relação muito física com as ruínas, sendo o desenho mais livre do que no Porto.”
Hangar Centro Náutico, Montemor-o-Velho, de Miguel Figueira
“O Hangar é um edifício muito diferente, porque é uma grande garagem de canoas. Disciplina o espaço natural com um gesto simplicíssimo e que atravessa toda aquela longitudinalidade. É um edifício muito radical, feito com muito poucos meios. Miguel Figueira desenha-o com um pórtico industrial muito banal, fazendo algumas torsões muito subtis nessa geometria. É construído com um revestimento metálico, o que lhe dá um ar muito ligeiro e uma vibração muito forte na paisagem.”
I3S – Instituto de Inovação e Investigação em Saúde, Porto, de Serôdio Furtado Associados (Isabel Furtado e João Pedro Serôdio)
“O I3S é um edifício universitário muito importante, porque junta três institutos da Universidade do Porto. Em termos urbanos, está inserido no campus universitário da zona de Paranhos, o que lhe empresta um contexto diferente. O edifício é muito típico do atelier: uma arquitectura muito racionalista, com implantações muito óbvias, relações de paralelismo e perpendicularidade com as vias. O edifício é construído em betão armado, criando grandes vãos, possibilitando espaços abertos e a seriação necessária para organizar os laboratórios. Há nele, portanto, uma relação muito intensa entre a forma, a função e a materialidade.”
Molhes do Douro (Porto), de Carlos Prata
“Tem a particularidade de ser um molhe feito por um arquitecto, que é uma coisa muito rara, porque os molhes pertencem geralmente à engenharia marítima. Carlos Prata transforma uma infra-estrutura que tem uma função muito utilitária — impedir que haja cheias e catástrofes marítimas — num objecto arquitectónico e também num grande prolongamento do espaço público. Faz outra coisa, que, geralmente, os molhes não fazem, ao usar o interior do edifício, criando um espaço lindíssimo que parece intemporal.”
Edifícios do Parque Urbano de Albarquel, Setúbal, de Ricardo Bak Gordon
“Como é que quatro pequenos objectos arquitectónicos, muito pequenos, conseguem qualificar um espaço paisagístico que já de si tinha qualidade (do atelier FC Arquitectura Paisagista)? Ricardo Bak Gordon vai buscar o seu universo, que tem que ver com o arquétipo da arquitectura doméstica, pegando na ideia do chalé para construir os pavilhões. Com quatro elementos dispostos com uma grande sensibilidade no território, é mais uma vez o argumento de que a arquitectura transforma muito o espaço e sem precisar de ter uma escala desmedida.”
Pavilhões Temporários para a Exposição da 32.ª Bienal de São Paulo no Parque de Serralves, Porto. De depA (Carlos Azevedo, João Crisóstomo e Luís Sobral), Diogo Aguiar Studio, FAHR 021.3 (Filipa Fróis Almeida e Hugo Reis), Fala Atelier (Ana Luísa Soares, Filipe Magalhães e Ahmed Belkhodja), Ottotto (Teresa Otto)
“Aqui a preocupação passou por ter arquitectos nascidos nos anos 80. Com um início de carreira dramático, em que a maior parte emigrou, ainda hoje as coisas não mudaram muito. Embora sejam obras efémeras, têm a função pública de expor obras de arte, neste caso, vídeo. Foi a oportunidade de só com um evento introduzir muitos arquitectos: são cinco ateliers, cada um formado por dois ou três arquitectos, dando uma mensagem de optimismo, porque todos eles fizeram em Serralves intervenções genuínas. São edifícios bastante imprevisíveis.”
Teatro Thalia, Lisboa, de Gonçalo Byrne e Barbas Lopes Arquitectos (Diogo Seixas Lopes e Patrícia Barbas)
“Hoje ouve-se falar muito de recuperação, mas feita desta forma acho que é um caso único. É uma intervenção muito radical, porque não é feita segundo os padrões das cartas de intervenção do património. Eles fizeram uma obra de grande risco, quer do ponto de vista morfológico, quer da linguagem, porque mantêm a leitura do edifício integral, mas depois constroem um edifício sobre a ruína existente — é aquela forma que vemos por fora, que de alguma maneira vai mimetizar o edifício prévio, mas é um volume novo, com uma linguagem nova. Contrapõem uma série de linguagens, aparentemente antagónicas, muitas vezes ambíguas, conseguindo criar um edifício com uma harmonia incrível. O Thalia, que antes era um pavilhão de jardim, agora é um edifício muito urbano.”
Terminal de Cruzeiros de Lisboa, de João Luís Carrilho da Graça
“Como o Tejo é um rio muito largo, a marginal sempre foi mais uma via rápida do que propriamente uma alameda — há sempre um afastamento visual do utente com o plano da água. Mas o edifício de Carrilho da Graça, feito com planos muito vincados, propõe uma nova relação entre a frente urbana, que está para cá da marginal, e o rio. Acho mesmo que a relação de Santa Apolónia e do Museu Militar com o espaço fluvial mudou através deste edifício. Depois, do ponto de vista tipológico, o edifício é muito interessante, porque não é aquele mero terminal, um apoio infra-estrutural de entrada e saída de passageiros, é mesmo desenhado como um espaço público. E, num gesto mais radical, Carrilho da Graça transforma a cobertura do edifício numa praça, dando-nos uma silhueta da cidade diferente daquela que conhecemos.”
Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo, de Inês Lobo
“O edifício da biblioteca e do arquivo regional em Angra do Heroísmo, nos Açores, vem muito na linha das obras que Inês Lobo tem feito nas últimas duas décadas. Ela explora a relação entre a fluidez dos espaços e a aparência das estruturas (que geralmente são metálicas) e das infra-estruturas (porque se vêem os tubos de ar condicionado, por exemplo), que valoriza como elementos de composição. O edifício tem um ar ligeiro, porque mistura vidros transparentes com vidros opalinos, retirando algum peso à massa. No contexto urbano, é um edifício interessante, porque ao mesmo tempo que se apresenta com uma certa escala, articula-se, através da forma, com a topografia. Depois, estabelece uma relação com um edifício neoclássico através de um jardim, porque o paisagismo é uma questão muito trabalhada nas suas obras.”