Quando o crítico de cinema Roger Ebert declarou, famosamente, num post de 2010, que os videojogos jamais poderiam ser arte, obteve, em resposta, mais de cinco mil comentários no seu blogue. Nessa altura, entre os vários jogos propostos a Ebert que talvez pudessem convencê-lo a abandonar sentença tão definitiva, sobressaiu Shadow of the Colossus, um jogo japonês de 2005, pela constância com que era citado pelos leitores.
Shadow of the Colossus, o segundo jogo de Fumito Ueda, então jovem autor de um brilhante Ico, apresentava como protagonista um cavaleiro de movimentos graciosos, Wander, improvável bailarino das terras desoladas que procurara na esperança de nelas conseguir reverter o estado defunto de uma mulher. Para tal, terá de derrotar 16 colossos, majestosas esculturas vivas guardiãs da Terra Proibida que estremece com o peso dos seus passos.
Entre Wander e os colossos, uma vasta extensão de território inóspito para percorrer com Agro, companheira equídea caprichosa (sendo predecessora do Trico de The Last Guardian, nesse aspecto). Talvez Ebert pudesse ser seduzido pelos movimentos de câmara que seguem estas cavalgadas, em planos gerais dinâmicos que enquadram o isolamento do protagonista perante o esmagamento da paisagem. Essas buscas do próximo colosso a abater decorrem sem inimigos intermédios para derrotar e toda a narrativa se desenvolve sem necessidade de diálogos. Shadow of the Colossus será, por estas razões, a expressão mais radical dos princípios do “design por subtracção” que tornam a visão criativa de Ueda tão distintiva no meio.
Como nota Nick Suttner, que escreveu extensivamente sobre Shadow of the Colossus, é um jogo sobre “o que sentimos a respeito de abater gigantes”, e nisto reside grande parte da sua complexidade. Sempre que Wander mata, também nele algo morre. O próprio jogo lamenta a perda sucessiva daquelas criaturas raras, levantando-lhes memoriais luminosos que sinalizam a nossa crescente acção destruidora na Terra Proibida. Shadow of the Colossus, enquanto jogo-ensaio, constitui uma notável auto-reflexão sobre o papel do boss nos videojogos e da violência climáctica destes combates.
O muito aguardado remake de Shadow of the Colossus, desenvolvido pela Bluepoint Games e lançado esta semana, é um jogo novo, podendo ser visto como versão naturalista do original. É belo, dos mais belos que podemos jogar nesta geração de consolas, no sentido que usamos para qualificar um bom Tomb Raider ou um Uncharted enquanto tal.
Contudo, o que antes estava apenas insinuado, encontra-se agora exposto, subtraindo-lhe parte importante da densidade simbólica e identidade estética, como uma pintura de Noronha da Costa sem neblina. Dir-se-á que quanto mais procura recriar com “fidelidade” os espaços físicos do jogo, mais se afasta da fidelidade ao jogo que pretende recriar. Quando consegue restituir a experiência singular de se jogar Shadow of the Colossus — através da cadência única deste jogo, da melancolia geral predominante e da atmosfera sombria dos ambientes —, é entusiasmante e, sobretudo, um forte testemunho da novidade que o design de jogo de Ueda continua a representar.