Como regular o Facebook na UE
A Facebook é hoje um monopólio; Zuckerberg não conseguiu responder cabalmente à pergunta “se você não é um monopolista, quem são os seus concorrentes?”
A ida de Mark Zuckerberg, da Facebook, ao Parlamento Europeu demonstra que este percebeu algo que a muitos comentadores ainda escapa: que apesar de ainda não ter quarenta anos como parlamento eleito, ao contrário dos mais de duzentos anos do Congresso dos EUA, é do Parlamento Europeu que podem sair as ideias que regulam o mercado onde o Facebook opera. Um encontro que dificilmente se poderia dar em qualquer outro parlamento do mundo sugere que a democracia europeia que já vai existindo dá mais hipóteses de fazer uma diferença real do que aquilo que às vezes pensamos: Zuckerberg tem 33 anos; do outro lado da mesa estava Jan Phillip Albrecht, eurodeputado verde alemão de 35 anos que foi o relator do Regulamento Geral de Proteção de Dados que entrará em vigor na UE daqui a três dias. A única resposta concreta que Zuckerberg conseguiu dar foi quando lhe perguntaram quando esperava que o Facebook implementasse completamente a nova legislação europeia: “Daqui a três dias”. Nem poderia ser de outra forma: as multas por incumprimento podem chegar a quatro por cento da caixa anual da empresa penalizada.
É no território da União Europeia que estão 350 milhões dos utilizadores do Facebook; um mercado que não dá para ignorar. As perguntas dos eurodeputados a Zuckerberg foram em geral muito mais certeiras do que as dos congressistas americanos. As respostas foram porém bastante piores, muito por culpa de um modelo de audição (escolhido pelo presidente do Parlamento Europeu) que se revelou inadequado. Mas a audição permitiu perceber que há mais do que uma maneira de regular o Facebook e que os instrumentos para o fazer estão nas mãos da União Europeia — se esta os quiser usar.
Em primeiro lugar, a UE pode fazer algo que já fez à Microsoft nos anos 90: partir a Facebook-empresa em várias empresas. A Facebook é hoje um monopólio; Zuckerberg não conseguiu responder cabalmente à pergunta “se você não é um monopolista, quem são os seus concorrentes?”. A legislação anti-monopolista está tão pronta a ser usada na era da internet como na era do Windows 95.
Em segundo lugar, dar soberania digital aos utilizadores da internet. Isso vai muito mais longe do que preencher os questionários em que nos perguntam se concordamos ou não com os termos de utilização de um serviço que em geral desconhecemos. As perguntas não podem ser sobre se desejamos usar o serviço (muitas vezes não temos opção) mas têm de ser sobre como desejamos utilizar o serviço. E ninguém pode ser excluído por desejar impedir os seus dados de serem transferidos ou se escolher não receber publicidade individualizada. O princípio da legislação europeia é que os dados pertencem à pessoa a quem dizem respeito (ao contrário do que se passa nos EUA, onde os dados pertencem a quem os recolhe) e essa lógica tem de ser levada às últimas consequências: sobre os meus dados pessoais decido eu, e não posso ser penalizado pela decisão de os proteger.
Em terceiro lugar, obrigar a Facebook a pagar impostos e utilizar esses impostos para criar as concorrentes europeias da Facebook. Um dos momentos reveladores da audiência foi quando Zuckerberg disse, para agradar aos seus anfitriões, que a Facebook teria até ao fim do ano 10 mil empregados em 12 cidades europeias. Tão poucos?! No passado, qualquer empresa com esta importância global — de uma Toyota a uma General Electric — teria muitas dezenas ou até centenas de milhar de empregados. Mas o tempo não volta para trás e a tecnologia permite fazer lucros muito maiores dando trabalho a muito menos gente. Isto significa que as mais valias geradas pela empresa estão a reverter menos para o benefício da sociedade do que antes. Há muito imposto a cobrar a estas empresas e os estados-membros da UE deveriam acordar em fazer da Comissão Europeia a sua cobradora e em criar um fundo para a inovação tecnológica europeia com os proventos, distribuídos de acordo com as transações efetivamente realizadas no território de cada país europeu.
Não é também por acaso que Zuckerberg recusou ir ao Parlamento britânico. Dificilmente um país europeu sozinho consegue ter capacidade de intervenção no mercado suficiente para domar a Facebook. Mas ao nível europeu existe a escala suficiente, a base legal suficiente, e os instrumentos anti-monopolistas suficientes para o fazer. Tudo depende da vontade política, que por enquanto ainda vai dependendo da pressão dos cidadãos. Usemo-la enquanto é tempo.