Surto do Ébola no Congo não é ainda ameaça de saúde pública internacional
Comissão Europeia aprovou esta sexta-feira um pacote de ajuda de emergência no valor de 1,7 milhões de euros para ajudar a República Democrática do Congo. A vacina experimental poderá começar a ser usada no domingo. Segundo a OMS, há 45 casos de infecção, dos quais 14 foram confirmados por testes laboratoriais.
O Comité de Emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu esta sexta-feira, em Genebra (Suíça), para decidir se o surto do vírus do Ébola na República Democrática do Congo constitui uma ameaça à saúde pública de âmbito internacional. Ao início da tarde, foi anunciado que, para já, a situação que se vive naquele país não constitui uma emergência internacional de saúde pública. Horas antes da reunião dos peritos, a OMS tinha já aumentado o nível de risco para a saúde pública no Congo, por causa do surto do vírus letal que foi declarado a 8 de Maio, de “elevado” para “muito elevado”. A reavaliação do risco surgiu após ter sido confirmado o primeiro caso do Ébola numa cidade de 1,2 milhões de habitantes, Mbkanka, que fica a cerca de 150 quilómetros da origem deste surto.
O porta-voz do ministro da Saúde da República Democrática do Congo confirmou esta sexta-feira 11 novos casos do Ébola na povoação de Bikoro, uma zona rural e remota no Noroeste do país, onde surgiram os primeiros casos deste surto. Segundo a OMS, há já 45 pessoas que terão sido infectadas (apenas 14 foram confirmadas por testes laboratoriais), com este vírus letal, numa contabilização que já inclui os 11 casos confirmados agora pelo Governo do Congo. Hoje, no final de uma reunião do Comité de Emergência, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, considerou que a situação no Congo está “em evolução” mas que há fortes razões para acreditar que este surto pode ser controlado. No terreno, espera-se que as equipas de emergência iniciem este domingo a administração de uma vacina experimental.
Na quinta-feira, as campainhas de alarme soaram com a confirmação do primeiro caso de infecção em Mbkanka, a capital da província do Equador onde vivem cerca de 1,2 milhões de pessoas e que é a cidade mais próxima do epicentro deste surto. Apesar de a resposta de emergência já se encontrar no terreno há alguns dias, o facto de a infecção chegar a uma grande cidade levanta sérias preocupações. O maior receio é que o vírus do Ébola chegue a Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, onde vivem quase dez milhões de pessoas.
“Um caso recentemente confirmado em Mbandaka, um grande centro urbano localizado nas principais rotas nacionais e internacionais fluviais, rodoviárias e aéreas, aumenta o risco de disseminação na República Democrática do Congo e nos países vizinhos. Portanto, a OMS fez uma reavaliação do risco para a saúde pública que passou para muito alto a nível nacional e alto a nível regional”, refere o comunicado divulgado esta sexta-feira pela OMS, que adianta que “a nível global, o risco é actualmente baixo”.
Esta é a nova vez que um surto de ébola é declarado na República Democrática do Congo, um país que, por isso, tem alguma experiência para lidar com este perigoso vírus. Até esta quinta-feira tudo parecia estar sob controlo com os casos de infecção confinados a uma região rural e remota do país e a OMS já estava no terreno com peritos, laboratórios móveis e a preparar uma campanha de imunização com uma vacina experimental. Mas a confirmação de que o Ébola tinha chegado à grande cidade mais próxima, mudou as regras do jogo.
Com base na situação actual e informações disponíveis, o director-geral da OMS convocou uma reunião do Comité de Emergência para esta sexta-feira para discutir se o surto actual constitui uma emergência de saúde pública de preocupação internacional e que medidas devem ser tomadas para gerir o surto. “O Ébola urbano é um fenómeno muito diferente do Ébola rural porque sabemos que as pessoas em áreas urbanas podem ter muito mais contactos, o que significa que pode resultar em um aumento exponencial dos casos”, referiu ontem, quinta-feira, Peter Salama, director adjunto para a prontidão e resposta a emergências da OMS.
Esta sexta-feira a Comissão Europeia (anunciou também a aprovação de um pacote de 1,7 milhões de euros em ajuda humanitária de emergência para ajudar a conter este surto de Ébola. “Um montante inicial de 1,5 milhões de euros será para apoio logístico à OMS e mais 130.000 euros serão oferecidos à Federação Internacional da Cruz Vermelha”, refere o comunicado. “A União Europeia (UE) está a tomar medidas urgentes para ajudar a administrar e conter a disseminação desta doença altamente mortal. Estas verbas e voos humanitários vão servir para levar equipas médicas, equipamentos e mantimentos para a zona afectada”, disse Christos Stylianides, comissário para Ajuda Humanitária e Gestão de Crises e que é também o coordenador da UE para o Ébola, adiantando que o Corpo Médico Europeu, um grupo voluntário de equipas de especialistas europeus e recursos médicos, está a postos para avançar para o terreno se solicitado.
A verba disponibilizada pela UE deverá garantir mais meios de vigilância e rastreio deste surto, ajudando “na detecção precoce de novos casos e na comunicação com as comunidades afectadas sobre os riscos e os comportamentos que devem ser adoptados para evitar a disseminação da doença, incluindo apoio psicossocial e preparação para enterros seguros e dignos”. A questão dos enterros assume uma particular importância na disseminação deste vírus num país onde é costume e tradição tocar, abraçar e, por vezes, beijar o morto num funeral. Aliás, segundo os responsáveis da OMS, o caso de infecção que foi confirmado esta quinta-feira na cidade de Mbkanka dizia respeito a uma pessoa que tinha estado dias antes na região de Bikoro para assistir a um funeral.
No início desta semana, a OMS avisou que se estava a preparar para o pior cenário do Ébola na República Democrática do Congo. Por isso, a mobilização de meios e recursos para o terreno foi rápida. Em Mbkanka está já a funcionar um dos laboratórios moveis onde os profissionais de saúde podem fazer testes aos casos supeitos. Entre os 45 casos (14 confirmados, 21 prováveis e dez suspeitos) incluem-se 25 mortes, até 16 de Maio.
A OMS confirma também o envio de 7540 doses de uma vacina experimental para tentar impedir o surto, adiantando que 4300 doses já chegaram a Kinshasa. As vacinas serão usadas para proteger profissionais de saúde e outras pessoas que tenham estado em contacto com indivíduos infectados. O recurso a esta arma de prevenção foi conseguido com uma aprovação especial, uma vez que a vacina desenvolvida há dois anos pela farmacêutica Merck ainda não está licenciada.
Ultrapassada esta barreira, há agora muitos outros obstáculos no caminho para levar a vacina às pessoas em risco. “Será preciso uma operação altamente sofisticada num dos lugares mais difíceis da Terra”, antecipa Peter Salama. O lote disponível deverá ser suficiente para vacinar 50 “anéis” (grupos de pessoas que tiveram contacto com alguém infectado) de 150 pessoas. Até 15 de Maio, tinham sido identificados e estavam a ser acompanhados 527 contactos com casos de Ébola.
Além da difícil geografia, será ainda necessário vencer as barreiras da comunicação (os profissionais de saúde serão acompanhados por tradutores e a administração desta vacina exige a assinatura de um consentimento informado) e os obstáculos logísticos que implicam, entre outras condições especiais de transporte, manter a vacina numa “cadeia de frio” entre os 60 e 80 graus Celsius negativos.
Apesar de ser uma importante arma, a resposta ao surto não se pode resumir à esperada eficácia da vacina. É preciso garantir o diagnóstico precoce, isolamento precoce, enterros seguros e uma mudança de hábitos da população.
Além da vacina, a OMS está a discutir com a República Democrática do Congo se o Governo aprovará também o uso do tratamento experimental ZMapp (da farmacêutica Mapp Biopharmaceutical) para o vírus do Ébola. “Acreditamos que isso aconteça nos próximos dias”, disse Peter Salama durante a conferência de imprensa que decorreu esta sexta-feira após a reunião de peritos da OMS.