Harry e Meghan: a nova dupla de Kensington
O casamento real, que decorre hoje ao meio-dia, é uma oportunidade para a família real modernizar a sua imagem. Para trás começam a ficar figuras como a princesa Ana e os príncipes André e Eduardo.
A partir de hoje, o trio do Palácio de Kensington – William, Kate e Harry – passará oficialmente a ser um quarteto, com a entrada da norte-americana Meghan Markle na família real britânica. Estes quatro são as estrelas de uma casa real que tem deixado para segundo plano os outros filhos e netos da rainha Isabel II. Harry, sexto na linha de sucessão, e Meghan Markle casam-se neste sábado, ao meio-dia, no Castelo de Windsor.
Desde que deixou as Forças Armadas, depois de dez anos de serviço, Harry tem assumido um papel cada vez mais activo ao serviço da coroa – afastando, de vez, a fama de jovem rebelde. Abraçou causas como o cuidado dos veteranos de guerra – fundando os Invictus Games – e juntou-se ao irmão e à cunhada no alerta e na promoção de iniciativas relacionadas com a saúde mental, através da organização Heads Together. No ano do 20.º aniversário da morte da mãe, a princesa Diana, os dois príncipes deram o exemplo, falando abertamente sobre a dificuldade que tiveram em lidar com o luto.
Quando em Abril Harry foi nomeado embaixador da juventude da Commonwealth – provavelmente o cargo público de maior importância até à data –, tornou-se evidente que Harry e Meghan serão, mais do que um casal, uma nova equipa na família real. “Estou incrivelmente grato pelo facto de a mulher com quem estou prestes a casar-me, Meghan, se vá juntar a mim neste trabalho, no qual ela também está muito entusiasmada em participar”, anunciou então.
O protagonismo de William, Kate e Harry acaba por se sobrepor ao trabalho de outros membros da família real. E não é porque trabalhem pouco. Por exemplo, a princesa Ana, filha de Isabel II e tia de William e Harry, é das mais dedicadas, marcando presença em mais de 500 eventos oficiais por ano – mais do que o trio de Kensington faz –, mas nem por isso a imprensa a acompanha ou tem a popularidade que os sobrinhos conquistaram.
“Tem mais compromissos do que qualquer outra pessoa, mas não são tão publicitados”, constata Richard Fitzwilliams, especialista na monarquia britânica, ao PÚBLICO. “Não há dúvida de que, no futuro, o círculo interno da família real será [constituído por] William e Kate, Harry e Meghan e, claro, os filhos destes. Outros membros da família real vão continuar a ter compromissos, mas não há dúvida de que os membros séniores vão concentrar-se num número menor [de eventos].”
“Adelgaçar a monarquia”
Segundo Katie Nicholl, correspondente especializada na família real e autora de Harry: Life, Loss, and Love, citada pelo El País, “tem havido um esforço consciente para adelgaçar a monarquia, a pedido de Carlos”. Significa isso que os outros filhos da rainha, bem como os seus descendentes, irão tendencialmente perder relevância na família real, à medida que forem descendo na linha de sucessão. Veja-se o caso do segundo filho homem da rainha, André, que já está em sétimo – à frente estão o irmão, os sobrinhos e os sobrinhos-netos.
É uma tendência que parece estar de acordo com aquilo que o povo pensa. Segundo os resultados de uma sondagem conduzida em 2015 pela YouGov, o entusiasmo da população britânica em relação à família real limita-se apenas ao círculo mais fechado, pelo menos no que toca à sua função oficial. No inquérito perguntava-se se os membros da família deveriam ou não receber dinheiro dos contribuintes pelos seus serviços. A partir das respostas é possível traçar uma linha clara entre a rainha (69% de respostas favoráveis), Carlos (56%) e os seus descendentes (William 59% e Harry 48%) e todos os restantes membros da família Windsor. Ana é, ainda assim, quem mais se aproxima de uma resposta positiva, com 39%; já os seus irmãos, André e Eduardo, ficaram-se pelos 28%. No extremo oposto, os primos direitos da rainha têm o apoio de apenas 9% da população.
Há umas décadas, André recebeu bastante atenção dos media devido a sucessivos escândalos, como as várias mulheres com quem foi visto depois do divórcio de Sarah Ferguson; e as despesas e vida extravagante que levava. As suas filhas, Beatrice e Eugenie – esta vai casar em Outubro com o socialite Jack Brooksbank –, têm as suas carreiras e não trabalham a tempo inteiro para a coroa. Em 2016, surgiram rumores de que André teria escrito uma carta à mãe a exigir que as duas princesas passassem a receber um rendimento e a ter melhores acomodações, mas o próprio negou ter redigido tais palavras.
Finalmente, o filho mais novo de Isabel II, Eduardo, conde de Wessex, é talvez o que menos atenção atrai. Casado desde 1999 com Sofia, com quem tem duas filhas, chegou a tentar construir uma carreira em produção televisiva, mas trabalhou a maior parte da vida a serviço da família real. Tal como os irmãos, participa em centenas de eventos por ano, mas tem-se focado em dar continuidade ao trabalho começado pelo pai, Filipe – que há um ano abandonou a vida pública –, como presidente da The Duke of Edinburgh’s International Award Foundation. Apesar de estarem longe do poder, algumas fontes apontam que é com este casal que a rainha tem maior proximidade.
O rebranding da monarquia
Quando em 2016 o reinado de Isabel II se tornou o mais longo da história da Grã-Bretanha, superando o da rainha Vitória, uma outra sondagem da YouPoll concluiu que 68% dos britânicos consideram que a monarquia é positiva para o país e 62% acreditam que daqui a um século vai continuar a existir.
Stephen Bates, autor de Royalty Inc: Britain’s Best-Known Brand, defende que aquilo que levou a que a monarquia se tornasse numa marca poderosa foi a contínua dignidade, diligência e sentido de dever da rainha face ao país, em combinação com transformações subtis ao longo de décadas. Logo no início do seu reinado, Isabel II quebrou a tradição, autorizando que a cerimónia de coroação fosse emitida na televisão, e em 1969 permitiu que as câmaras gravassem o dia-a-dia da família real para um documentário que mostrava um lado mais relaxado e normal dos Windors. O filme passou na televisão, antes de a rainha exigir que fosse arquivado.
“Em última análise, talvez o maior rebranding [mudança de imagem] de todos tenha acontecido através de casamentos reais”, escreve Bates no Telegraph. Em 2011, “o segundo na linha de sucessão [ao trono] teve permissão para se casar com a sua colega de faculdade, de classe média, cujos avós pertenceram à classe operária – e podemos ver o quão bem isso está a resultar”, diz, referindo-se a William e Kate.
Da mesma forma, Richard Fitzwilliams acredita que a união de Harry e Meghan terá um impacto positivo no futuro da monarquia. “Acho que vai tornar a família real muito mais inclusiva”, comenta ao PÚBLICO. “Meghan é um novo tipo de figura real”, aponta. É “alguém que se sabe expressar bem e é a alma gémea de Harry: fez um incrível trabalho de caridade, mas também teve tempos loucos no passado”, acrescenta.
Meghan Markle é divorciada e já era activista antes de conhecer o príncipe, aproveitando a sua carreira para chamar a atenção, por exemplo, para a igualdade de género e para a campanha de acesso a água potável no Ruanda (para onde viajou em 2016). No discurso como representante das Nações Unidas, em 2015, partilhou a história de quando, aos 11 anos, conseguiu que uma marca de detergentes mudasse um anúncio sexista que passava na televisão.
Filha de pai branco e mãe negra, a norte-americana de 36 anos tem utilizado a sua visibilidade para discutir temas relacionados com o racismo e, mais concretamente, a sua luta pessoal com a identidade. “Não era suficientemente negra para os papéis de [actriz] negra nem suficientemente branca para os [papéis] de branca”, desabafava num ensaio escrito na primeira pessoa para a Elle, em 2015. “Tudo isto confere-lhe uma percepção das experiências das pessoas de outras etnias, que frequentemente é uma dificuldade [para outros membros da realeza]”, fundamenta Fitzwilliams.
O casamento de Harry e Meghan foge às regras convencionais em vários detalhes – desde o bolo de casamento não ser de frutas, como foram os dos ascendentes de Harry, à marcação da data da celebração para um fim-de-semana. Mais notável é, por exemplo, a decisão da noiva de não ser entregue ao marido, mas antes acompanhada até ao altar e depois dar os últimos passos sozinha, segundo avança a CNN. Além disso, durante a cerimónia quem vai proferir a homilia é o bispo Michael Bruce Curry, um norte-americano negro, conhecido pelo seu apoio ao casamento de casais homossexuais.
É fácil esquecer que a rainha Isabel II, uma das últimas figuras austeras da monarquia, tem sido alguém que se tem esforçado para modernizar a monarquia, por vezes surpreendendo os mais tradicionalistas. Apesar de, no rescaldo da morte da princesa Diana, ter sido fortemente criticada por não mostrar emoções, acabou por se tornar, com os anos, mais popular do que nunca.
A monarca, escreve Stephen Bates no Guardian, foi “mudando a sua imagem pública de forma subtil, tornando-se mais empática e humana, mais a imagem de uma avó”. Em anos recentes, aponta ainda no Telegraph, ”a rainha tem consentido de forma passiva, em vez de promover, a modernização da instituição”, a começar pela actual estratégia de comunicação e redes sociais. “Ao contrário de alguns dos seus antecessores e monarcas estrangeiros, [a rainha] tem sido perspicaz ao deixar-se ir na onda da mudança”, conclui.