Confronto de Trump com Irão deixa relação transatlântica em risco
Líderes europeus intensificam consultas para mitigar o impacto nas empresas europeias das sanções económicas prometidas pelo Presidente dos EUA.
Não é só o regime de Teerão que o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, pretende penalizar com a sua decisão de abandonar o acordo internacional que assegura a vigilância do programa nuclear do Irão. Ao impor novas sanções económicas, que prometeu serem "as mais dolorosas possíveis”, contra a República Islâmica, o líder norte-americano está também a abrir uma nova frente de ataque aos seus aliados europeus, já desgastados com outras acções beligerantes, da retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris à ameaça de uma guerra comercial com a imposição de novas taxas alfandegárias sobre produtos europeus.
A percepção, em Bruxelas, é que a primeira e principal vítima da decisão do Presidente dos Estados Unidos pode ser a relação transatlântica — bem como a “ligação especial” que tanto Londres como Paris esperavam manter com Washington e que justificaram as palavras calorosas da primeira-ministra, Theresa May, e do Presidente Emmanuel Macron, dirigidas a Trump. Mais realista, a chanceler da Alemanha foi a única líder europeia que resistiu aos elogios ao actual ocupante da Casa Branca.
Os três governantes estão em contacto permanente para concertar a sua resposta. A partir de segunda-feira, intensificam-se as consultas entre os signatários do acordo nuclear — o Plano de Acção Conjunto com o Irão , ou JCPOA, na sigla em inglês — e a União Europeia. Aliás, a discussão já foi incluída na agenda da cimeira dos 28 chefes de Estado e de governo marcada para a próxima quinta-feira em Sófia, e destinada a debater o eventual alargamento da UE aos países dos Balcãs. “Será uma oportunidade para reafirmarmos o nosso apoio pelo acordo, e também pela sua expansão, por exemplo com o desenvolvimento dos seus aspectos mais económicos”, avançou o primeiro-ministro da Bélgica, Charles Michel, à estação pública VRT.
Entre muitas considerações sobre as consequências da denúncia do acordo nuclear com o Irão pelos EUA, no discurso que proferiu minutos depois do anúncio solene de Donald Trump, a visivelmente agastada alta representante para a Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini, garantiu que Bruxelas não deixaria de “os seus interesses de defesa e proteger os investimentos europeus”.
A chefe da diplomacia referia-se, naturalmente, ao grau de incerteza e potencial de desestabilização política que a decisão de Donald Trump , tanto no Médio Oriente como na Europa. Mas também ao impacto que novas sanções dos EUA poderão ter na actividade do sector financeiro e sistema bancário do continente, nas operações dos gigantes do petróleo ou nas exportações da construtora aeronáutica europeia Airbus.
Além de Mogherini, outros governantes europeus bateram na mesma tecla. “A França e os seus parceiros europeus farão tudo o que for possível para proteger os seus interesses”, foi a mensagem que saiu do Palácio do Eliseu esta quarta-feira de manhã. Como lembrava a BBC, depois da assinatura do acordo, em 2015, as trocas entre a França e o Irão triplicaram. “Vamos agora olhar com atenção para todas as possíveis implicações [da reimposição de sanções pelos EUA] sobre as nossas empresas, e vamos ver como será a melhor maneira de nós europeus respondermos, juntos”, disse, em Berlim, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas.
Declarações do embaixador dos Estados Unidos na Alemanha fizeram soar o alarme entre os parceiros europeus: segundo escreveu Richard Grennel no Twitter, logo após a declaração de Trump, as empresas germânicas com negócios com o Irão “devem pôr termo a essas operações imediatamente”. As grandes associações alemãs, caso da Federação da Indústria e as Câmaras de Comércio reagiram exigindo que a UE encontre o mais depressa possível uma solução que, sem pôr em causa a relação comercial com os EUA, proteja as empresas europeias da aplicação “unilateral e ilegal” das sanções norte-americanas. Em 2017, a balança comercial entre a Alemanha e o Irão atingiu os 3,4 mil milhões de euros.
Até ser conhecido o teor das medidas punitivas que a Administração norte-americana tenciona introduzir, não pode fazer-se mais do que especular sobre a margem de manobra que os europeus terão para ultrapassar os efeitos das novas sanções económicas. Mas uma das hipóteses poderá passar pelo recurso à directiva 2271/96, aprovada pelo Conselho Europeu em Novembro de 1996, e que permite aos Estados membros bloquearem a aplicação de medidas legislativas de países terceiros que tenham efeitos extra-territoriais — basicamente, uma disposição jurídica que permite à UE contrariar os efeitos de restrições ao comércio internacional.
Essa foi uma das ideias avançadas, ainda no ano passado, pelo representante da União Europeia em Washington, David O’Sullivan, questionado sobre as opções de Bruxelas no caso de Trump rasgar o acordo nuclear com o Irão. “Nós temos um estatuto [jurídico] de bloqueio, que até já adoptámos em reacção a sanções impostas a Cuba, que nos permite oferecer protecção legal às companhias europeias que forem ameaçadas pela natureza extra-territorial das sanções americanas em determinadas circunstâncias. Não tenho dúvidas que se esse cenário se materializaria e a UE tomará as medidas necessárias para preservar os interesses legítimos das suas empresas, recorrendo a todos os meios à sua disposição”, estimou o diplomata, numa conferência no Atlantic Council de Washington.
Os líderes europeus têm entre três e seis meses para tentar convencer a Administração dos EUA a desenhar uma isenção para que as empresas do continente que têm negócios em curso com o Irão não sejam abrangidas pelas novas sanções económicas anunciadas por Donald Trump - ou arriscam-se a ver ruir o acordo nuclear que se comprometeram a preservar apesar da retirada dos EUA. Segundo avançou o Financial Times, os diplomatas europeus já estão a trabalhar para encontrar alternativas de financiamento, que não passem por linhas de crédito em dólares, para evitar o colapso dos contratos já assinados e dos investimentos previstos por empresas europeias. Se não for alcançado um acordo com o Departamento do Tesouro, a UE reactivará a legislação que permite bloquear o efeito de sanções secundárias.