A irritação de Angola? “Nenhum de nós gosta, é natural”

“É um bocadinho o sofrer pela camisola”, diz Marcelo, pondo-se na pele dos dirigentes angolanos sobre o julgamento de Manuel Vicente. Mas ninguém “pode nem deve” interferir com a justiça”, sublinha.

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Nuno Ferreira Santos

Sem expectativas de fazer uma cimeira, Presidente português desvaloriza tensão com Luanda: “Há coisas maiores e coisas menores”, afirma em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença.

Confia que até ao final deste mandato haverá uma cimeira com Angola, que ainda não aconteceu?
Para não estar a responder circunstancialmente a isso, em relação à questão de Angola — que para mim é uma não questão —, eu já disse várias vezes que estamos vocacionados (ou condenados, no bom sentido) a estar juntos. Sabe que é uma expressão que é muito utilizada em África: “Estamos juntos.” E estamos juntos. São os milhares de angolanos cá, são os milhares de portugueses lá, enfim, é tudo aquilo que nos junta e mais alguma coisa. É preciso, até familiarmente. Portanto, estamos juntos. E depois há circunstâncias pontuais. E quanto a isso eu diria duas coisas, a primeira é relativamente àquela circunstância que está implícita na sua pergunta: nenhum de nós gosta, é natural, quando há notícias relativamente a nacionais portugueses que estão a braços com situações de justiça em qualquer país do mundo. Independentemente da maior ou menor justiça que exista nessas indagações, nós sofremos. É um bocadinho o sofrer pela camisola. Temos tido, quando lemos que “um português, no quadro de um país nosso parceiro na UE, está a braços com este problema”, temos pena (“ah, um português e tal”). Ou num país que fala português e há um português que está a braços... sentimos aquela solidariedade natural. 

Portanto, é compreensível a posição angolana?
Portanto, eu compreendo que outros sintam o mesmo tipo de sentimentos que nós sentimos. Dito isto, portanto, os irmãos angolanos sabem que eu entendo que alguns deles — porventura muitos deles — sintam esse tipo de problemática relativamente a casos que ocorrem noutros países, nomeadamente, também em Portugal, respeitante aos seus concidadãos. Mas também tenho a certeza de que os irmãos angolanos são os primeiros a perceber que Portugal é como é: Portugal tem uma Constituição, que eu votei, essa Constituição prevê o princípio da separação de poderes. Do princípio de separação de poderes decorre que nem o Presidente da República, nem o presidente da Assembleia da República, nem os deputados, nem o Governo podem interferir em decisões que são decisões judiciais. Quaisquer que elas sejam. Sejam decisões de substância, sejam procedimentais. Não pode. Não é não pode: é não pode e não deve.  

Há pouco falava-nos de memória de elefante e do fim do seu mandato. Confia que vai encontrar-se com o seu homólogo e fazer uma cimeira...
Já me encontrei, fui à posse dele... 

... Uma cimeira luso-angolana, como há muito não acontece?
Tem de compreender que, quando se olha com um certo fôlego e um certo prazo, o relacionamento entre dois países irmãos, como é o caso, as questões... A certa altura, o sr. ministro dos Negócios Estrangeiros usou um qualificativo muito curioso, que era “o irritante”... Há assim uns “irritantes” pelo meio (risos). Irritantes porque ficamos uns e outros irritados por causa de um ponto de pormenor que não afecta o mais importante, embora mediaticamente tenha uma repercussão.   

A verdade é que há muitos anos que não há uma cimeira luso-angolana, e as visitas de Estado dos dois lados estão congeladas...
Está a ver, estamos aqui nesta varanda. E, nesta sala, eu tive a oportunidade de receber responsáveis angolanos que foram e vieram. Quer dizer... sabe uma coisa? Isto de ter quase 70 anos e de ter visto muito, que já vi, e de ter aprendido com o muito que vi, leva-me a relativizar aquilo que é verdadeiramente menor. 

A tensão não o preocupa, portanto?
Exactamente. E há coisas maiores e coisas menores. E o maior é o mais importante.

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