Culpa de ninguém

Era tão boa culpa, pena ter morrido sozinha. Tancos, incêndios, legionella, Raríssimas. Em Portugal, morre a culpa, sempre a culpa, sempre só

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Maria Stiehler/Unsplash

São estes os mais recentes casos em que a culpa foi de todos e vai acabar por ser de ninguém. Foi do Exército, do Governo, do clima, das populações, do SIRESP, do hospital, dos partidos, do ministro, da directora, dos associados, de nós todos. No fim, quando tudo acabar, a culpa, que ainda anda aos caídos presa àquele e presa àquela, acabará, como manda a nossa tradição, por morrer presa a nada.

Nesta terra, a culpa é sempre de toda a gente até chegar ao momento de ser de ninguém. E morre sozinha, numa qualquer cama de hospital (se houver camas disponíveis), é velada sozinha (se não houver um batalhão da PSP a interromper o velório para a levar para autópsia) e é enterrada sozinha (ou queimada ou afogada, se houver fogo ou água em excesso). A culpa nasce sendo de todos e morre sendo só dela, com uma imensidão de ausência à sua volta.

Talvez seja o espelho da personalidade de um povo que, assim que descobre injustiça, cerra os dentes, cria petições, fecha os punhos, faz manifestações, sai à rua, grita, denuncia. No entanto, passada essa excitaçãozinha inicial, vem a realidade que nos é habitual, e a culpa lá se vai esquecendo e diluindo e apagando, até que morre. Só. De ninguém.

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