João Pombeiro: o desenhador de videoclipes, recorte a recorte
Conhecido por uns como co-criador de Bruno Aleixo e realizador de Xico, de Luísa Sobral, João Pombeiro assina o genérico da nova série de Nuno Markl, 1986. O criativo realizou videoclipes para Nadia Schilling e Nightmares on Wax.
Procurar. Reimaginar. Recriar. João Pombeiro é artista plástico e segue esta lógica de criação em cada projecto. De recorte em recorte, fragmento a fragmento, acrescenta a animação, construindo um videoclipe a partir de colagens ou um genérico “interessante” e “diferente do que se costuma fazer em Portugal”, apenas com recurso a imagens. Parece fácil, mas é um processo criativo “ambicioso” que pode não ter fim. No caso do genérico de 1986, a série de ficção criada por Nuno Markl, com estreia marcada para Novembro na RTP1, uma pesquisa de imagens de arquivo e algumas fotografias dos anos 80, acompanhadas de uma música ao estilo da época e com animações à mistura — tudo “muito simples” —, foram o suficiente para preparar uma abertura “inspirada noutras séries” de acção passadas naquela década, como The Americans ou Narcos.
Com um talento natural para o desenho, enveredou pelas artes e começou a trabalhar em vídeo e animação como uma escolha quase premeditada. “Desde que me lembro sempre fiz desenhos e colagens, é algo que está completamente enraizado”, conta em entrevista ao P3. E não ficou por aqui. Em 15 anos como freelancer são muitas as designações que descrevem esta mente criativa: ilustrador, produtor, realizador, guionista, designer gráfico e até webdesigner (quando é preciso). “As fronteiras não estão assim tão definidas quando se trabalha sozinho. É preciso fazer um pouco de tudo.”
E quando se diz tudo, isto significa que ainda há mais para contar. Voltemos atrás, ao momento em que o percurso focado nas artes plásticas foi interrompido e deu lugar a projectos humorísticos. Foi há mais de dez anos que João, em conjunto com os amigos João Moreira e Pedro Santo, criou a personagem Bruno Aleixo, um cão com sotaque e temperamento peculiares que ainda hoje é uma figura de sucesso na televisão, rádio e internet. Foi o primeiro passo para “trabalhar mais no humor”, área em que se começou a destacar, um pouco por interesse, mas, também, graças aos projectos em que tem trabalhado, assinando animações para as webseries Há vida em Markl e Uma Nêspera no Cu, de Bruno Nogueira, Filipe Melo e Nuno Markl.
A partir daí nunca mais parou. Entre Leiria, onde nasceu, e as Caldas da Rainha, onde se licenciou em Artes Visuais pela Escola Superior de Artes e Design, João, de 38 anos, senta-se no escritório em frente ao computador e imagina colagens para videoclipes de artistas como Luísa Sobral, João Hasselberg e Nadia Schilling ou bandas como Cave Story e Nightmares on Wax, a que soma ainda cartazes de teatro e cinema e capas de disco desenvolvidos a partir de recortes.
No início fazia apenas trabalhos como artista plástico, mais tarde dedicou-se à realização e agora investe mais no trabalho de colagens, sem ter medo de recusar propostas. “Tenho tido muitos convites para projectos diferentes, mas é preciso encontrar a forma certa para gerir tudo. Ainda hoje, o meu trabalho é mais projecto a projecto.”
De Bruno Aleixo a Nightmares on Wax
Na série Bruno Aleixo não falta criatividade para criar episódios que têm como essência o humor. E muitos têm a mão de João, que tanto animava e desenhava como escrevia e trabalhava nas redes sociais. Este não é o projecto que fervilha por estes dias na sua mente, mas pode ser considerado o mais conhecido pela maioria. Agora, além de “ser um artista plástico que trabalha com humor” (não um humorista), a mesma dedicação está na criação de videoclipes musicais, tanto para artistas portugueses como para bandas internacionais. Para já, soma apenas uma proposta no seu currículo, mas não exclui novas “parcerias criativas” fora de Portugal.
Xico, tema interpretado por Luísa Sobral, foi uma das primeiras experiências como realizador, enquanto ainda se dedicava a preparar projecções para espectáculos ao vivo, mas depressa retornou às colagens. Numa série de videoclipes conseguiu aliar as artes plásticas e a música. Sempre a “inventar e improvisar mais colagens a partir de um universo rico, que encontra na música e no contexto em que foi criada”. O que começou por ser uma aventura para ajudar amigos ligados à música, rapidamente se tornou uma das suas principais actividades.
Um dos projectos mais recentes foi a criação do primeiro videoclipe do álbum de estreia a solo de Nadia Schilling. Durante seis meses trabalhou na capa do CD, no booklet e no vídeo, da “recolha de fotografias de família” à “construção de memórias”. Pesquisou, testou e juntou fragmentos que “nada têm a ver, mas que ganham um novo sentido”. “É interessante este processo aleatório e meio acidental”, diz. Centenas de colagens depois, Kite foi editado no passado mês de Junho e João Pombeiro prepara agora novos videoclipes para as músicas de Above the Trees, disco que será lançado em breve.
Enquanto está em curso o processo de criação destes projectos, o que mais lhe agrada é a liberdade para construir, “sem ser só um executante agarrado a um guião inicial”. “O videoclipe da Nadia foi uma das poucas oportunidades que tive na vida de fazer exactamente o que queria, demorar o tempo que fosse necessário para encontrar a solução certa", confessa.
No fundo, o que lhe costumam pedir é para incluir “certos pormenores relacionados com a música”. Mas, geralmente, as pessoas já conhecem e confiam no seu trabalho, deixando “tudo em aberto”. Tem apenas de se preocupar com algumas condicionantes e ter cuidados na escolha e tratamento das imagens. É esse o caso do genérico da série 1986, para o qual teve de adaptar retratos recentes dos actores e “fingir que eram fotografias dessa época”. Mas o truque é usar a imaginação e ir “experimentando coisas novas”, garante João, que não utiliza guiões para não se sentir preso. "Cada vez gosto mais de trabalhar a partir das imagens e não a partir do texto, ou da letra de uma música, até chegar às imagens." O genérico de 1986 ainda não foi revelado, mas já é possível ver um trailer da série.
Sem conseguir passar demasiado tempo no mesmo projecto, João aceita desafios por impulso e gosta de “explorar novos caminhos, sem repetir fórmulas”. Tudo a seu tempo, até sentir que o projecto está terminado, dedicando-se, por vezes, em simultâneo, a várias propostas. Foi depois do lançamento e destaque que o videoclipe de Nadia Schilling teve em plataformas internacionais (como o Vimeo Staff Picks), que recebeu um convite do produtor da Warp. A ideia era apresentar uma proposta para o novo vídeo da banda inglesa Nightmares on Wax, que iria a concurso entre um conjunto de outras propostas. Durante 15 dias — dia e noite —, imaginou um conceito visual que fosse “interessante". O esforço compensou. “Quando soube que fui seleccionado fiquei aliviado porque me deu muito trabalho fazer essa proposta e, ao mesmo tempo, fiquei em pânico porque significava que agora era a sério e ia mesmo acontecer”, confessa. Back to Nature, lançado em Setembro último, é um vídeo de quase oito minutos, feito a partir de colagens apropriadas e recriadas para contar uma história baseada na relação do Homem com a natureza, que integrou recentemente o portefólio de João Pombeiro.
Portugal, um país “muito pequeno”
Ao trabalhar com uma equipa definida, um prazo mais limitado e um orçamento muito maior, João deparou-se com um “processo muito mais interessante e exigente” — “muito longe da realidade portuguesa”. Nómada com alcance limitado (trabalha para vários pontos do país, principalmente Lisboa), na Internet tem o instrumento de trabalho que precisa e não se imagina a emigrar. “Não penso nisso porque tenho aqui a minha família e posso trabalhar na minha área para fora do país.” A tratar dos últimos preparativos para a série de Nuno Markl, João tem “muitas ideias em vista”, mas ainda nada confirmado. Sempre com olhos postos no trabalho criativo, quer continuar a “explorar a área de formação” em Portugal.
A dimensão do país é o “problema comum” a todas as áreas, assegura. “É tudo muito pequeno, as pessoas conhecem-se todas e são as mesmas que tomam as decisões, por isso é preciso fazer algumas cedências para ser aceite pelo meio.” Começou, desde cedo, a desenvolver projectos através da Internet por “sentir que há possibilidade de poder trabalhar para outros contextos”. E vai continuar a produzir nestes moldes, por considerar que “é uma forma de contornar o funcionamento muito limitativo do meio português”.