O “bartender” que está a pôr os “cocktails” em português nas bocas do mundo
Carlos Santiago é um dos dez nomeados para Melhor Mixologista Europeu e no dia 21 vai rumar ao México para representar Portugal na final mundial do World Class, o concurso que vai escolher, entre 50 profissionais, o Bartender do Ano
Foi com o “Diário a Rum” que Carlos Santiago ganhou o terceiro lugar logo na sua primeira competição internacional, em 2014. Não com o livro (nem com o filme), mas com uma bebida inspirada no romance de Hunter S. Thompson. Quando criou o cocktail que o levou à final europeia do Putting Pen To Shaker, o jovem bartender recuou à década de 1950, andava o também jovem jornalista em Porto Rico, a escrever no meio de páginas manchadas por rum. Santiago pegou então no rum, juntou-lhe licor de chocolate e picantes, afrodisíacos que reacendem a relação amorosa que a personagem tinha na ilha no mar das Caraíbas e terminou com gin, uma referência a uma passagem anterior do protagonista por Londres.
Coincidência ou não, foi também nesta capital que Santiago começou a conhecer mais profissionais da área que “passou de passatempo e gosto a desejo de carreira”, depois de ter ficado desempregado. Em 2011, saltou da cadeira de formador e começou a mexer-se atrás do balcão do Pub Bonaparte na Foz do Porto, entre colheres, doseadores e shakers.
Agora, com 35 anos, é um dos dez nomeados pelos Mixology Bar Awards para Melhor Mixologista Europeu e vai rumar ao México para representar Portugal na final mundial do World Class, o concurso que vai escolher, entre 50 profissionais, o Bartender do Ano. Por enquanto, ainda pode vê-lo preparar alguns dos seus cocktails de autor no The Royal Cocktail Club, na Baixa do Porto.
Aconselhamos só que não tente começar o seu pedido por serpentear um “pst”, uma das poucas coisas capaz de o desconcertar ao ponto de entornar uma bebida. “Isto é uma brincadeira, não é que me irrite”, admite, “é só que continuam a olhar para nós como se estivéssemos ali porque não conseguimos arranjar mais nada.”
Se para Santiago o primeiro curso de bar foi “uma escapatória que encontrou no caminho”, fruto de uma velha paixão de quando ainda andava a tirar a licenciatura em Comunicação Empresarial, para cada vez mais jovens apresenta-se desde o início como uma escolha. E, apesar de “estudarem muito e chegarem às casas com uma formação base muito forte”, sente que esta escolha, muitas das vezes, “não é valorizada pela outra parte”.
De resto, é tudo “uma questão de saber levar o cliente onde se quer”. Não acredita na arte mágica de adivinhar que bebida alguém precisa, escassos segundos depois de se aproximar do balcão. Mas, mais segundo menos segundo, a bebida certa chega às mãos certas.
Como? O bartender deixa a magia para outras ocasiões e com a intuição e a experiência guia, algumas vezes às escuras, o cliente pelo menu. “Normalmente, uma das primeiras perguntas que faço é “O que é que não gosta?” ou “Quer uma coisa mais doce ou mais amarga?”. Com estas respostas estariam desde logo excluídas grande parte das hipóteses, não fosse o caminho minado por uma teima antiga de quem faz as perguntas. “Eu tenho uma teimosia minha”, começa por dizer de sorriso preparado no canto da boca. “Quando me dizem que não gostam de alguma coisa, eu faço precisamente com isso.”
Não o faz por malícia, garante, quer apenas limpar “de más experiências” o paladar de quem pede. “O gin tónico é um exemplo”, explica, “muita gente que não gosta diz que é por não gostar de gin. E aí eu faço um cocktail com gin. Regra geral as pessoas não gostam é da tónica.”
Quando tira o avental e passa para o outro lado do balcão, Santiago sabe bem o que quer. E, garante, não é um cliente exigente. “Eu vou a um bar para visitar amigos, não para criticar bebidas”, explica.
Se o encontrar de férias em algum destino paradisíaco, é provável que tenha à sua frente um mojito ou algo mais frutado, como um Mai Tai. Já se o vir num bar durante o Inverno, deverá ter em mãos “coisas mais quentes para aquecer a alma”. Que é como quem diz, um Negroni ou um Old Fashioned — dois lugares-comuns que entram na lista de favoritos de qualquer bartender, sim. “É a realidade, todos nós gostamos disso”, revela. “Regra geral, temos o nosso paladar já muito carregado com coisas doces e necessitamos de coisas mais amargas, daí o nosso refúgio nestes cocktails, que acabam por ser uma forma de fazermos um reset ao nosso palato.”
E Santiago está sempre a pôr o seu à prova. A criatividade que despeja nas suas bebidas, uma das coisas que mais prazer lhe dá no trabalho, parte muito da tentativa-erro. E, nos últimos anos, as coisas têm-lhe calhado “bastante bem”. Ainda não criou um cocktail que diga ser insuperável, até porque, conforma-se, “nenhum, por muito bom que saia, está completo”. No entanto, tem dois que, não sendo os ideais para um serviço de bar regular, quase lhe transbordaram as medidas.
Faltava aqui dizer que Santiago é um homem com pronúncia do Norte, e, por isso, quando é para inventar uma bebida, além de se atirar de cabeça, atira-se ao vinho do Porto. E no caso do “Bibó o Porto”, o cocktail que lhe valeu o título de Barman do Ano 2015, atirou-se também à francesinha. Para olhares mais destreinados, a mistura em tons alaranjados e com espuma no topo poderia parecer uma cerveja, mas no copo cruzava-se o rum com o vinho do Porto, o xarope de louro e bitters picantes caseiros que, a cada golo, eram acompanhados por uma garfada na sande portuense.
Já para o “Sweet of The Elders”, inspirou-se na avó e roubou-lhe a receita de leite-creme. Para acompanhar, ou vice-versa, juntou rum e whisky, vinho do Porto, sumo de limão e um ovo inteiro.
É uma maneira de levar a “cocktelaria” portuguesa às bocas do mundo, algo que, desvenda, começa a acontecer. “No dia em que nós conseguirmos ter um pouquinho mais de visibilidade lá fora, o mundo do bar cá vai disparar para níveis como temos em Londres, Barcelona, ou mesmo em Nova Iorque”, acredita. Quiçá tudo comece quando Carlos Santiago abrir o seu próprio espaço, no Porto. Mas isso fica para mais daqui a uns anos. Para já, há duas competições para ganhar.