Tem o coração no nome e neste um programa estético. Portus é Porto, Porto é granito e essa era questão sim-ou-sim para Miguel Crisóstomo, "personal trainer" agora com vida dupla: à “noite” é sócio-gerente do bar. Por esse granito tão portuense, o que sempre buscaram para “enquadrar o ambiente” que queriam criar, recusaram-se vários espaços até encontrar este, então, num cantinho da Rua de Sá de Noronha já a espreitar o Teatro Carlos Alberto.
Acabou por não ser um espaço qualquer, antes um que tem pergaminhos na noite portuense — aqui funcionou durante anos o Moinho de Vento, um dos ícones da movida gay da cidade. Há anos vazio, “terrivelmente danificado”, o espaço renasce agora com um posicionamento distinto. “As pessoas da rua têm-me perguntado se o conceito é o mesmo. Noto algum preconceito.” No conceito, e no resto, qualquer semelhança entre o Portus e a encarnação anterior é mera coincidência.
Na verdade, apenas um grande esforço de abstracção consegue (re)ver o antigo bar no Portus. O espaço físico foi reorganizado e as portas abertas à rua — são duas, duplas, com vidro: uma é entrada, a outra recanto servido de sofás, mesa baixa e vista. Há luz a entrar, seja a do fim da tarde, seja a da iluminação nocturna, a acompanhar o horário de funcionamento; há jogos de luz criados para tornar a atmosfera mais clara; há recursos de decoração que tornam o ambiente mais solar.
O granito joga, portanto, com uma paleta restrita de cores onde predominam os amarelos em múltiplas declinações: vem do sol pálido das paredes, do mostarda do chão, do puzzle que é o mosaico central de azulejos, onde combina com preto e branco e um piscar de olhos vintage — não o é mais porque os azulejos pintados à mão que foram a primeira opção demoravam muito tempo a ficar prontos. E tempo foi um bem escasso entre a ideia e a concretização “de um bar” por dois sócios que nunca estiveram envolvidos no negócio da restauração.
“Sempre gostei de bares com ambiente mais descontraído. Mas o que se encontra é sempre sítios com música muito alta, fumo…”, conta Miguel Crisóstomo. Com os seus alunos comentava esta situação e soltava as suas ideias do bar ideal. Até que um dia, um deles, seu aluno há seis anos, lhe propôs sociedade. Quando falaram a primeira vez, Miguel não o levou a sério, a vida continuou normalmente. Até ao treino seguinte. “Já temos espaço?”, perguntou o seu agora sócio. E aí começou a aventura, há “quatro, cinco meses”.
“Foi tudo relativamente rápido”, reflecte agora, a poucas horas do grande teste do bar: uma festa privada na noite anterior à abertura oficial, que aconteceu no passado dia 19, com champanhe e bolo para celebração. As últimas noites foram passadas aqui mesmo, a preparar os derradeiros detalhes — o último terminou-o minutos antes do nosso encontro: a compra de copos de dry Martini. Os dois funcionários já estão a preparar cocktails (há até um livro aberto) e a aperfeiçoar métodos de trabalho. Miguel está “em formação” com eles, que “têm muita experiência”. A experiência que Miguel procurava era em cocktails (e mocktails), as bebidas de eleição da casa. A lista inicial é apenas um ponto de partida para um work in progress de criação de outros, para “sair da caixa” com propostas semanais e mensais.
Tão orgulhosamente portuense como é, o Portus dá destaque aos seus cocktails com vinho do Porto — a parceria com a Porto Cruz abrange o Pink, branco e tawny e da lista da marca saíram os ex-líbris da casa: o spicy pink (Porto Pink, pimento chili e malagueta) e o Porto tónico (Porto branco e água tónica com gengibre e alecrim numa “conjugação aromática”).
Testa-se a música — há uma linha dominante, o soft house. Algo como o Café del Mar, refere Miguel Crisóstomo, “tranquila o suficiente para que se possa conversar” e, ao mesmo tempo, “dançante mas não berrante”. Porque este bar tem algumas aspirações a dar um pezinho de dança (sobretudo à sexta-feira e sábado, com DJ na cabina e horário alargado) e a decoração foi pensada com tal em mente.
O centro do bar, demarcado pelo painel dos azulejos e ocupado por mesas (e cadeiras) altas, pode transformar-se numa pista de dança informal com um simples arrumar de mobília. Faltará bola de espelhos — aqui há candeeiros a pender do tecto a alturas diferentes — mas ninguém pretende loucuras. Na verdade, há também espaço para mesas baixas (design retro, em forma de folha) e sofás — e num recanto, tutelado por um relógio que só pretende desorientar (não se esperem horas ali), um sofá “comunitário”, ladeado por plantas e candeeiro de pé, é um chamariz para grupos.
Começam a entrar os amigos para a primeira noite de vida do Portus. Ainda a tactear o caminho, ainda a encontrar o seu lugar. Quem chega só tem de encontrar o caminho do balcão: a lista de bebidas está exposta num quadro de lousa sobre o tal granito (em breve, cada bebida virá acompanhada de um petisco).