A edição deste ano do festival RTP da canção foi um bom exemplo do que é serviço público e o resultado foi claro: Portugal já ganhou!
A ideia de reconverter o festival da canção numa oportunidade para mostrar a criação musical nacional, de diversos estilos, e dar-lhe tempo de antena em “prime-time” na RTP1, cumpre um desígnio que os canais privados generalistas não executam, obcecados que estão com agradar, exclusivamente, às supostas maiorias.
Fazer serviço público não é agradar só à maioria. Fazer serviço público é dar voz e espaço a todos.
Neste caso, isso faz-se dando oportunidade também àqueles que, porque não estão vocacionados para as grandes massas, nunca teriam espaço ou interesse em participar num festival da canção.
Este festival foi idealizado sob a égide da diversidade: música pop, alternativa, de pendor tradicional/folclórica ou com influência dos musicais, todas numa competição saudável, dando palco a quem já se conhecia ou àqueles que ainda não eram tão notórios.
Não fosse esta decisão política e o festival continuaria pelas ruas da amargura, prosseguindo uma vertente exclusivamente pop (em que Portugal nunca se mostrou especialmente competente), com a desculpa de que essa seria a única via para se competir na eurovisão (quantas vezes será preciso repetir que há sempre alternativas?).
O paradoxal destas coisas é que, muitas vezes, um verdadeiro serviço público acaba por ter boa audiência, nem sequer se verificado aquele suposto dilema entre fazer o que “vende” ou que “deve” ser feito à luz do princípio de serviço público.
Na final deste ano, a RTP aproveitou para juntar o útil ao agradável e efectuar uma gala comemorativa dos 60 anos da sua existência, que serviu de embrulho para um grande espetáculo televisivo e musical.
No fim, ficámos mais ricos. Criaram-se boas canções (alargando o já vasto cancioneiro nacional), deu-se visibilidade a grandes vozes e cumpriu-se a função de entretenimento televisivo típico de uma noite domingueira e caseira.
Ah! Já me esquecia: a canção vencedora é só uma canção que ficará para a história, que viralizou na Internet (com mais de um milhão de visualizações e comentários positivos de, literalmente, todos os cantos do mundo) e que já está, nas apostas, entre as favoritas à vitória final (e esta, hein?).
Tudo isso conseguido graças à autenticidade e simplicidade das grandes músicas (e letras), uma orquestração magnificadora e uma interpretação ímpar por parte do Salvador Sobral.
Em Kiev, Portugal já ganhou: é que vai ser cantada uma grande canção portuguesa. Só espero que, para ano, o festival volte a cumprir o seu papel e a ser pretexto para a aparição de novas boas canções.