Pensadores contemporâneos, tais como Bauman, Lyotard, Lipovetsky e outros, dizem que vivemos em tempos acelerados, mais efémeros e mais líquidos. Dizem que somos fruto da pós-modernidade, do pós-industrialismo e de uma liberdade com efeitos imprevisíveis num mundo globalizado em rede. Dizem que somos mais individualistas, consumistas e que a moda e tendências nos definem os comportamentos e valores instáveis. Assim somos livres, de um modo diferente, num mundo de condicionamentos invisíveis e em constante mutação.
Quem abandonou a leitura no primeiro parágrafo comprova o fenómeno que descrevi: fazemos apenas o que queremos se de facto nos for útil de alguma forma. Ou seja, como seres livres e individualistas, só vamos despender energia e tempo com algo que nos traga benefício. Esse ganho não será forçosamente material, pode ser simplesmente prazer ou o sentimento de utilidade altruística para com terceiros. Assim consumimos aquilo que achamos que nos vai trazer vantagens, preferencialmente individuais, mesmo que o objectivo seja colectivo.
Atendendo ao conceito de "pegada ecológica", consumimos demais, pelo menos o dobro dos recursos que podem ser produzidos de forma renovável no planeta. E esse consumo é escandalosamente desigual de país para país, de classe social para classe social. Uma pequena parte da humanidade consome massivamente mais do que as restantes. Indo além do foco nos recursos naturais directos, será a aplicação do trabalho sobre esses produtos que permite criar bens de consumo de diferentes preços, consoante a procura dos mercados. Nesse sentido, o trabalho não é mais do que o gasto de tempo, recorrendo a mais ou menos ferramentas e outros recursos, para criar determinada coisa, material ou imaterial. Conclui-se então que o trabalho obriga ao consumo directo de tempo de vida humana.
Sabemos que os salários, que são a valorização monetária do trabalho, materializam, na prática, quanto vale o tempo de determinada pessoa. Esse processo transforma a vida de uns mais valiosa do que a vida de outros.
Assim, quando consumimos, seja o que for, estamos a consumir vida humana, directa ou indirectamente. Entramos então no campo da moral e da ética. Se é ecologicamente errado consumir mais do que a capacidade de renovação do planeta, quanto tempo de vida humana alheia é aceitável consumir para as nossas necessidades individuais?
Sem querer ser excessivamente pessimista ou macabro, é-me impossível esquecer os consumos extravagantes dos muitíssimos ricos. É óbvio que não podemos parar de consumir. Em muitos casos, a vida humana só se potencia através do trabalho e actividades relacionadas. Afinal, a vida humana não pode ser guardada, pois esvai-se com o tempo, que se desfrute ou não dela. Por isso há que tirar daí o melhor partido. Chega-se assim ao conceito de suficiência, consumir o necessário, vivendo o melhor possível, por nós e pelos outros.
Volto ao individualismo e à liberdade de quem consome e de quem alimenta o consumo. Se ficar ao critério de cada um definir as suas necessidades, de forma inconsciente ou sem preocupações externas, onde chegará a nossa humanidade? Queremos continuar a alimentar esta forma de contemporânea de canibalismo?