Sou a favor da existência de níveis indicativos de remuneração relacionados com a dignidade do trabalho e a garantia da qualidade de vida para todos. Convém deixar isto claro, primeiro que tudo.
Sempre me causou estranheza quando alguém dizia que, por ser licenciado, tinha de ganhar “X”. Ou seja, independentemente da função ou tipo de trabalho que a pessoa fazia, segundo esta tese, teria automaticamente de auferir um determinado valor. Não estavam em causa o valor acrescentado ou as competências reais do trabalhador para a instituição ou empresa. Era um dado adquirido que despersonalizava o indivíduo e que em nada promovia o mérito produtivo, independentemente da área.
Este tipo de sentimento ainda persiste. Agora acontece para os graus seguintes, para os mestres e doutores. Continua a haver quem invoque o grau académico e o queira converter numa forma automática salarial. Quem tem mais formação está em melhores condições para ganhar mais, não pelo título académico mas porque, supostamente, tem mais competências e conhecimentos para produzir melhor, com mais qualidade, mais rápido ou de modo diferenciado. Mas será que, na prática, conseguem transformar essas potencialidades em valor acrescentado? O que um licenciado, mestre ou doutor poderia dizer hoje seria: "Eu posso e sei fazer 'X' e 'Y', por isso mereço ganhar 'Z', e irei merecer ganhar ainda mais porque não vou parar de melhorar à medida que tiver mais experiência e formação".
Ausência de oportunidades
Talvez o grande problema seja a ausência abundante de oportunidades de trabalho para transformar esse conhecimento, reconhecido pelos títulos académicos, em competências valorizadas pela economia e sociedade. Com isto não estou a sugerir que só aquilo que produzir riqueza material deve ou pode ser bem remunerado monetariamente. Nada disso, a cultura, educação e outras áreas produzem inegáveis valores e riqueza. Mesmo essas actividades podem ser avaliadas e contabilizadas, podendo-se daí definir valores adequados e personalizados de remuneração para os profissionais que nelas trabalhem.
Precisamos que prevaleça o mérito e as competências, até porque a formação ao longo da vida será incontornável para quem se queira manter profissionalmente activo. Um curso que fizemos, num dado período temporal, quase sempre quando a maturidade ainda era pouca, pode ser pouco relevante perante uma vida de trabalho, cada vez mais longa e incerta.
Por isso vale a pena estudar para ganhar competências, sem parar para olhar a títulos e estatutos sociais obsoletos. Só assim poderemos dizer que merecemos ganhar “X” ou “Y”, tudo o resto são contos de fadas de outros tempos.