Passaram nove anos. Outros nove hão-de passar. Só dou pelo tempo passar pelos cabelos brancos, os quais fazem as vezes dos ponteiros do relógio sempre que olho para trás para contar em quase duas mãos todos os calendários já percorridos quando, um dia, da minha terra saí para não mais voltar. Nove anos, para o ano dez.
Em 1996 vim a Londres pela primeira vez pela mão do meu avô. O meu avô já não me viu partir para nunca mais voltar: partiu ele em primeiro lugar e nunca mais voltou, e um destes dias todos nós acabamos por emigrar... Se o meu avô se sentiria orgulhoso de tudo quanto entretanto aconteceu, as nossas conquistas, os nossos empregos, as nossas carreiras, a nossa língua tão estrangeira, as nossas opções políticas, a nossa casa, este casamento e tudo quanto já fizemos, e fazemos, pelos outros?
O meu avô aprendeu a falar cinco línguas: espanhol, inglês, francês, italiano, alemão. Nunca tirou um curso, mas podia ter tirado. Deu três voltas ao mundo, foi para lá da cortina de ferro (das nossas mentalidades?), viu mais de 90 países e trouxe-me prendas de muitos mais. Se cresci, foi porque cresci a ver como o meu avô voava, e ao crescer quis voar não só como o meu avô, mas com o meu avô.
Logo por azar, apanhou-me a adolescência quando, em 1996, vim a Londres pela primeira vez. E, por tal, muitas foram as vezes nas quais a sede de amor e as hormonas em ebulição falaram mais alto do que a criança que um dia sonhou viajar com o seu avô.
Mas não deixei de viajar com o meu avô, não deixei de voar com o meu avô, não deixei de realizar o sonho àquela criança de cabelos encaracolados, ainda hoje expectante na zona das chegadas do aeroporto de Lisboa à espera de quem já não volta mais.
A criança lá ficará, à espera. Ao fim de alguns dias morrerá de fome e de tristeza, morrerá de solidão nos braços do seu avô e, num último sopro de vida, dirá, lágrimas nos olhos, "voltaste".