Há oito países no mundo onde as touradas são legais. Portugal é um deles. Quem defende a actividade tauromáquica não cogita sobre um hipotético ponto final. Citam-se razões como o fim do “património cultural do país”, o desemprego que se geraria e a extinção da raça taurina brava. Do outro lado, contra-atacam: “no Médio Oriente, a mutilação genital feminina também é cultura”, o desemprego é residual (há em média três trabalhadores por ganadaria) e a maioria não extrai rendimentos exclusivos desta actividade, e para quê preservar uma raça que terá como único fim o sofrimento?
Vamos a factos: no próximo dia 1 de Junho, o PAN apresenta o projecto de lei n.º 181 que proíbe a utilização de menores de idade em espectáculos tauromáquicos, quer como actores, quer como espectadores. “Não faz sentido que uma criança de 12 anos assista ou participe num espectáculo de violência explícita, que tem repercussões a nível psíquico, social e emocional”. “Há pareceres, nomeadamente os do Comité dos Direitos da Criança, que comparam o espectáculo tauromáquico a trabalho infantil ou ao tráfico de droga, tendo em conta o grau de perigo e degradação”, refere o deputado do partido, André Silva em entrevista ao P3.
O BE (projecto de lei n.º 217) acrescenta outro objectivo: além de proibir menores, pretende eliminar a categoria matadores de touros. “Se os touros de morte são proibidos em Portugal, por que razão havemos de reconhecer essa profissão?” questiona o deputado Pedro Soares. “É uma incongruência”.
Para Hélder Milheiro, porta-voz e activista da Prótoiro, esta já é “mais uma rotina demagógica de alguns partidos extremistas” do que qualquer outra coisa, pelo que não traz nada de novo. A tauromaquia é uma “arte perfomativa” que goza de boa saúde, mesmo sem apoios públicos. Será assim?
Os subsídios públicos
“Há vários tipos de apoios e benefícios autárquicos (compra de bilhetes, alocamento de transporte, publicidade), institucionais (como o financiamento de livros) e até fiscais/estatais (os toureiros estão isentos de IVA, os bilhetes são taxados a 13% e não a 23%) (...). Não são regulares, embora “tudo isto somado, possa chegar aos 20 milhões de euros anuais”, contrapõe André Silva.
Já a presidente da Animal, Rita Silva, corrobora o valor em causa (a organização tem inclusive uma petição a decorrer neste sentido) e fala em “vergonha” no caso da RTP. Os números parecem dar-lhe razão: em 2015, registaram-se 8280 queixas de telespectadores da RTP a propósito das touradas, mais de metade do total. E as corridas transmitidas mostram quebras de audiência permanentes.
Mas o que aconteceria, afinal, se a tauromaquia fosse extinta?
A resposta de Rita é peremptória: “Rigorosamente nada”. E dá exemplos de outros locais: as praças foram reconvertidas (veja-se o caso da de Barcelona), as pessoas já tinham outra forma de subsistência e os touros bravos em si “não representam especial mais-valia para o ecossistema ou para a biodiversidade”, explica. São bovinos, como os outros, não falamos da extinção da espécie, mas apenas de uma raça em particular.
O cenário de abolição “não está ainda em cima da mesa” diz André Silva. No entanto, acredita que o “tauronegócio” terá o seu fim: “A questão não é se, é quando” e será a “evolução das consciências, que já é a maioria dos portugueses, que o ditará”. Já Pedro Soares, do BE, admite que mais importante do que eliminar a prática em si é erradicar a violência.
Gaúdio ou dor?
É precisamente em torno desta questão, a da violência, que giram todos os raciocínios.
Hélder Milheiro considera que falar em dor e violência é “falso” e “básico”: os touros não são maltratados, são “respeitados”. “O animal é acompanhado por um veterinário antes, durante e após a faena” e o embolamento (serrar as pontas dos cornos) é como “cortar as unhas”, esclarece. Além disso, “um toureiro que arrisca a sua vida em frente a um animal, representa o máximo da excelência humana”.
Um estudo da AVATMA (Asociación de Veterinários Abolicionistas de la Tauromaquia y del Maltrato Animal) relaciona a produção de betaendorfinas com os touros de lide. Segundo este, o animal produz estas hormonas em 15 situações concretas (entre as quais, stress, dor, fome, sede, esgotamento físico, acidose metabólica ou hemorragia) e “todas elas estão presentes durante a lide”. Não são, portanto, as hormonas do prazer e da felicidade (não se verificam durante o orgasmo, por exemplo), bem como não neutralizam a dor.