Eles têm de cumprir as nossas leis

A nossa Constituição defende a liberdade e igualdade entre cidadãos — sem esquecer todas as outras pessoas

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yhdchang/Pixabay

É uma trivialidade mas valorizamos especialmente uma coisa quando ela nos dá jeito. Quanto às leis, o sentimento é o mesmo. A propósito das recentes tensões culturais, a expressão “na nossa terra têm de cumprir as nossas leis” tem sido de uso comum. É uma expressão interessante, pois, para além de falar dos outros, diz também muito de nós mesmos. Mas afinal que leis são essas?

Num estado laico e republicano a lei fundamental será sempre a Constituição. Será nela que vamos beber os grandes princípios. A nossa Constituição defende a liberdade e igualdade entre cidadãos — sem esquecer todas as outras pessoas. Diz que não pode haver discriminação com base no sexo, etnia, raça, deficiência, credo ou sexo, nem sequer na orientação sexual. Promove a igualdade de oportunidades, embora todos saibamos da dificuldade e constrangimentos de toda a ordem para colocar este princípio em prática.

Então as nossas leis prevêem liberdade para todos, liberdades individuais e colectivas. Se assim é, pois todas as restantes leis partem da Constituição, como podemos querer impedir ou fazer restrições à diferença? Como podemos dizer que as leis da nossa terra impedem determinados comportamentos individuais quando isso é exactamente o contrário do que as ditas leis defendem?

Os 42 anos de democracia e liberdade contrastam com 48 de ditadura, e muito mais com os anteriores séculos de intolerância que duraram até ao liberalismo e ainda com ele coexistiram. Por outro lado, apesar das constituições democráticas em Portugal serem coisas recentes há tendências cíclicas, mais ou menos fortes em determinados momentos temporais, para que sejam violadas. Casos recentes disso são bem conhecidos.

Por outro lado, quando assistimos a esta invocação da necessidade imperiosa de cumprir a lei em Portugal, se não fosse uma coisa séria, parecia uma anedota. Se há coisa de que gostamos, enquanto povo, é do desenrasque e do contornar da lei, incluindo a própria Constituição.

Felizmente, temos leis humanistas e progressistas, com um povo que no fundo se identifica com isso. Felizmente, as mentalidades vão mudando e não é por acaso que, apesar de algumas posições menos abertas que serão sempre normais em democracia enquanto forem minoritárias, se nota uma tendência para o aprofundamento e desenvolvimento das liberdades. A intolerância da democracia perante o atentado às liberdades e à injustiça, especialmente em matérias de desigualdade, será a única coisa para com a qual a própria democracia, enquanto regime, pode ser intolerante. Caso contrário a democracia entraria em contrassenso com os próprios valores que a definem.

Pena a nossa economia não acompanhar essa tendência progressista. Talvez se a nossa qualidade de vida geral melhorasse materialmente e imaterialmente poderíamos ser ainda mais livres e sem preconceitos. Quem sabe… Fica a visão da utopia para nos guiar e dar esperança. 

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