Sem brincar, todas as coisas são sérias

Mas será que podemos brincar com tudo? Poder até podemos, mas nem todos podem achar piada

Foto
Moritz Schmidt/Unsplash

"Não se brinca com coisas sérias". É um lugar-comum, usado quase sempre quando se ensaia humor em temas ou assuntos ditos sensíveis, quase sempre em temas religiosos. Mas não é só a religião que pode ser sensível ao humor. O próprio humor negro cai mal a algumas sensibilidades. Será uma questão de susceptibilidade individual, mas também de liberdade, naqueles casos onde a liberdade de uns condiciona a dos outros, nos dois sentidos. O humor é um fenómeno individual e social, tão diverso como as pessoas e as sociedades.

Mas será que podemos brincar com tudo? Poder até podemos, mas nem todos podem achar piada. Estará algum tema vedado a ensaiar risos? Diria que não, mas há certos assuntos para os quais certas pessoas, por melhor que seja a peça criativa humorística, não vão conseguir rir. Provavelmente também não existe a piada ou o humor universal, talvez seja apenas uma utopia. Então em que ficamos e como fica a nossa liberdade nisto?

Vamos proibir o humor como no romance “O Nome da Rosa”, do desaparecido Umberto Eco, e cometer pecados ao tentar evitar o pecado do humor? Mesmo que para a maioria das pessoas moderadas essa posição seja inaceitável, facilmente essas mesmas pessoa, ditas moderadas, não se inibem de ditar limitações ao humor alheio.

Se ensaiarmos aqui uma pequena reflexão o assunto fica ainda mais complicado. Se não podemos brincar com coisas sérias é porque estamos limitados às coisas engraçadas. Recuando a um tempo anterior, em que não se distinguia o engraçado do sério, uma dita coisa só terá passado a ser engraçada depois de alguém brincar com ela. Claro que existem vários tipos de cómico: de situação, de linguagem, de carácter e formas e modos ainda mais complicados e híbridos. Mas antes de alguma destes tipos poder ser um cómico alguém ou um conjunto de pessoas tiveram de os considerar como tal. Hipoteticamente, antes dessa aceitação seriam tudo “coisas sérias”. Então, se só pudéssemos brincar com “coisas não sérias” a humanidade nunca poderia ter brincado com nada e não teria desenvolvido o humor.

Assim, só posso concluir que deve imperar a liberdade de fazer humor, sem limitações, pois, a curto ou médio prazo, as pessoas acabarão pode definir aquilo do qual conseguem rir, sendo que a universalidade desse humor será pura utopia. Se a piada ou o humorista não tiverem aceitação também nunca serão considerados humor. É assim a liberdade, um conflito com responsabilidade, até no humor.

Sugerir correcção
Comentar