Com os pés bem assentes no chão

Hoje em dia os profissionais são cada vez mais chamados para tentar criar formas mais atrativas, mais incríveis. Fazer arquitetura é dar forma a um lugar, design é dar forma a uma função

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Cesare Colombo / La Triennale di Milano

A Triennale di Milano, criada em 1923, é um dos principais eventos internacionais dedicados à arte, design e arquitetura. Após vinte anos de ausência, reabre as portas em vários lugares em simultâneo. Portugal marca presença com uma exposição no Museu Leonardo da Vinci (Museo Nazionale Scienza e Tecnologia Leonardo da Vinci). O título que o comité da Triennale di Milano escolheu para a vigésima primeira edição é "Design After Design", num contexto de quase reconstrução das práticas do design e da arquitetura.

A Trienal do Grande Número foi o título da célebre XIV edição da exposição internacional Triennale di Milano de 1968. Giancarlo De Carlo foi o curador de uma exposição que não chegou a abrir. Duas horas antes da inauguração foi ocupada e quase inteiramente destruída: a 30 de maio de 1968. Um grupo de contestatários e estudantes considerava não apenas o evento, mas sobretudo a instituição, demasiado burgueses. Daquela exposição conhece-se muito sobre a ocupação, sobre o "squatter", mas pouco sobre as obras, os pavilhões e os ambientes pensados por Arata Isozaki, Alison e Peter Smithson, Shadrach Woods, Aldo van Eyck, o grupo Archigram, Archizoom, Gyorgy Kepes, Hans Hollein, Renzo Piano, entre outros. Uma exposição nunca visitada pelo público, que se centrava nas obras enquanto processo, sobre a arquitetura enquanto ambiente e sobre a recusa do objeto enquanto mercadoria. Após a intervenção das forças da ordem, com a expulsão dos ocupantes a 11 de junho, Giancarlo De Carlo escreve no jornal l’"Unità": “As exposições são como castelos de cartas, desmoronam-se com pouco ou nada”.

A XXI Triennale di Milano recomeça a partir daquelas cartas. Também "Objects After Objects", o projeto de Portugal.

Numa carta que Umberto Eco escreve a Vittorio Gregotti sobre o fim do design, em final dos anos 90, fala na forma e na função, na decadência do design e da arquitetura: “Antes, a forma tornava mais bela a função. Agora, a forma depende muito do mercado”. Hoje em dia os profissionais são cada vez mais chamados para tentar criar formas mais atrativas, mais incríveis. Fazer arquitetura é dar forma a um lugar, design é dar forma a uma função. Lorenzo Bernini dizia que a função do arquiteto era tornar mais belos os lugares. Para isso é preciso voltar a pôr o ser humano no centro do universo. O projetista tem cada vez mais de ouvir, de falar, de dialogar e de tentar perceber tudo o que está à sua volta, tem que estar disponível. É preciso reconsiderar o papel profissional do arquiteto e considerar a arquitetura como uma ferramenta para enfrentar os problemas sociais ligados à cultura projetual contemporânea. Para procurar uma outra forma de conceber arquitetura temos que estar disponíveis e dispostos a alargar o nosso saber sobre o papel da arquitetura e sobre as potencialidades do arquiteto. Fazer arquitetura é também um serviço público, social.

Na secção dedicada às "Novas Práticas em Arquitetura", no âmbito da Representação Portuguesa na XXI Triennale di Milano que inaugura esta semana, são apresentados dez exemplos emergentes de arquitetura nacional, correspondentes a dez práticas de projeto comprometidas com o real e operantes num contexto entre a arquitetura e a intervenção social e performativa. Atelier JQTS/João Quintela e Tim Simon; Ateliermob/Tiago Saraiva e Andreia Salavessa; Bernardo Rodrigues; CAN RAN/Catarina Almada Negreiros e Rita Almada Negreiros; FAHR 021.3/Filipa Almeida e Hugo Reis; Moradavaga/Pedro Cavaco Leitão e Manfred Eccli; Nuno Abrantes; Pedro Bandeira; Pedro Rogado; SAMI Arquitectos/Inês Vieira da Silva e Miguel Vieira, foram convidados pelas características que os diferenciam entre si e por outras que têm em comum: estão acostumados a trabalhar em situações de emergência e com poucos recursos, seja numa casa, numa intervenção urbana ou numa temporária. Trabalhar com restos, com sobras, fazer tudo com nada!

O regresso ao projeto participativo, àquelas práticas de obra aberta — tão utilizadas nos anos sessenta para resolver problemas demográficos ou energéticos ou simplesmente para dar ouvidos às pessoas e partilhar com elas um projeto em comum — não pode ser uma moda passageira, como as favelas chiques que por aí vão aparecendo nos museus e nas revistas como intervenções politicamente corretas, sem nunca atingirem o objetivo principal. Devemos praticar e promover o fim do "zoning", o fim da cidade dividida em funções específicas ou classes diferentes, pensar outra vez na "Architettura della Città" como laboratório para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos que nela habitam.

Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico.

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