Afinal, parece que me enganei na vocação, ou na carreira, ou no emprego, ou em tudo e mais alguma coisa, desde os exames de acesso à universidade até à conclusão da Licenciatura em Ensino, porque ensinar não vou, não só por, obviamente, não ter emprego, mas porque o que está a dar é ter professores a vender casas!
Afinal, é para isso que andamos todos a pagar às universidades, não para formar professores, os quais muita falta fazem a um país cada dia mais ignorante (basta o Benfica ganhar campeonatos e o telejornal abrir com futebol), mas sim agentes imobiliários da mais fina estirpe, agentes de elite, agentes com canudo.
Conta um artigo num jornal da concorrência como os professores estão a chamar a atenção na área das vendas, nomeadamente no sector imobiliário: têm uma licenciatura, iniciativa e dinamismo, sabem falar línguas, comunicar em público e têm bons conhecimentos de informática.
Mas já vos passou pela cabeça que se calhar tirámos um curso para poder exercê-lo, para poder ensinar, porque queremos trabalhar com crianças e para crianças, porque nos realiza como pessoas e era esse o nosso desejo, porque sabemos e podemos fazer melhor, moldando o mundo no sentido da igualdade, da equidade, da justiça e da meritocracia, não como tivemos, mas como ambicionamos outros ter?
O mais estranho é ver no mesmo artigo a associação de professores contratados congratular-se com tais oportunidades, para em seguida acrescentar que não só há excesso de docentes como a culpa é dos governos anteriores por continuarem a abrir vagas nas universidades (?!?).
Meus amigos, para já, não há excesso de docentes, mas sim de turmas e mais turmas com mais de trinta alunos (como sempre houve) e de desemprego. Cada vez mais, há vinte anos para cá, por falta de políticas de contratação e estabilização do corpo docente, e pelo aumento da idade da reforma, mais uma vez em detrimento da escola pública, já se sabe, para benefício do privado, como sempre.
Faltam políticas de contratação
E, já agora, senhores da associação dos professores contratados, com amigos como vocês, não precisamos de inimigos. Por favor, deixem de ver o mundo ao contrário, façam jus ao nome e defendam, na verdade, tudo a quanto se propuseram ao invés de contribuírem para a debandada geral e o pânico que se assiste.
Assim, não é de admirar que no dito artigo se constate terem as imobiliárias equipas inteiras só de licenciados, de todas as áreas, de todas as línguas, a preço de chuva, pois claro, porque trabalhar é preciso e comer também. E se, por um lado, queremos fazer a nossa vida longe da sombra e do desemprego, tal não tem de ser feito à custa de recibos verdes e mais precariedade sem que daí se tire melhor proveito para além de manter a alminha agarrada ao corpo enquanto outros se enchem com uma “pipa de massa“.
Pois bem, se tiver de ser, será: eu vou vender casas, eu vou trabalhar num "call-centre", eu vou comer o pão que o diabo amassou e sorver estas mágoas, mas sem agradecimentos ou beija-mão, sem capitular nem aceitar, e sem deixar de querer ser aquilo que um dia fui e sempre sou: professor, educador, condutor, crente noutro mundo que não este, e se não aqui, então noutro sítio qualquer, mas melhor, para mal dos teus filhos e bem dos filhos dos outros, dos que habitam em outras margens enquanto Portugal, de mastro caído e partido, voga ao sabor de outras ondas que não as vossas.
Só não percebo como se pode almejar ver no desperdiçar dos melhores recursos de um país uma boa notícia, como se estivéssemos a falar do ovo de Colombo e, num passe de mágica, se descobrisse a solução para vinte mil desempregados: já sei, vai tudo vender casas! E, de caminho, pastéis de Belém! Agora basta ter quem as compre, e tivessem estes docentes o emprego merecido e, estou certo, já teria vendido umas quantas casas.