Diz o filho: "Que bom eram os anos 80, não tínhamos preocupações, vivíamos os dias à espera do “Agora Escolha“ ou do “Justiceiro" enquanto cantávamos o “D’artacão“ mais a “Abelha Maia“, todos juntos e em coro. Nos intervalos dos desenhos-animados bebíamos Suchard Express e litros de Ovomaltine entre pão com Tulicreme. Não havia nem crise nem desemprego e, apesar de o “éfeémeí“ andar por aqui, como anda hoje, os nossos pais não falavam disso, ou então faziam de conta. O futuro era uma porta aberta onde todos os sonhos eram possíveis e nós corríamos lado a lado com o Tom Sawyer e a Ana dos Cabelos Ruivos. Não tínhamos contas para pagar, e todos os rapazes seriam um dia o Futre e todas as raparigas a Madonna, pelo menos a contar pelo número de jogos de futebol na rua ao ritmo das cantorias da minha irmã e das bolas perdidas entre quintais alheios, para desespero de vizinhos e afins. E ao serão a família toda reunia-se para torcer por Portugal nos “Jogos sem Fronteiras“ ou no Festival Eurovisão da Canção, em “Playback“ e em uníssono, festejando cada ponto como um golo, como se a vida fosse um programa de televisão onde se chega bem e se chega ao fim, que é quando vivemos felizes para sempre sem um amanhã para nos chatear, num Verão sempre azul".
Dizem os pais: "Que bom eram os anos 80, não tínhamos preocupações, vivíamos os dias de casa para o trabalho e do trabalho para casa enquanto sonhávamos com filhos doutores e mil louvores. Cá para estes lados não havia crise, porque essa só toca aos outros, e o futuro era risonho e o futuro era livre, em democracia. E tudo graças ao “Bochechas“ que nos assinava como parte de uma Europa que se queria unida. Dos filhos esperava-se que se fizessem uns homens e se um dia saíssem de casa não era para voltarem com meias desculpas de não lhes pagarem o salário ou perderem o emprego. Não, porque um homem trabalha, um homem luta e um homem não reclama, e quem choraminga são as crianças. E se nessa altura já se saía do país, não se fazia disso alarido nem gritavam as televisões, porque para sair do país basta atravessar a fronteira e para entrar fazer de igual maneira, e no fim só sai quem quer. E por isso é que nos é difícil compreender esta crise onde tantos jovens agitam as mãos sem solução. Pois se tanto trabalho há, porquê tanto gritar?"
Diz então o filho aos pais que também ele vai sair do país: "Já chega de viver numa concha ou ansiar pela vida que quem é mais velho sempre me quis. Mas não se preocupem porque agora temos as novas tecnologias e com o Skype é muito mais fácil manter a comunicação." Mas os pais não lhe perdoam a deserção e a traição e por isso não só não compreendem esta crise como não compreendem o porquê de o filho nunca mais lhes ligar. Soubessem eles como funciona um computador e talvez a conversa fosse outra.