Vamos reciclar em Zanzibar?

Gostava mesmo de te convidar para um pequeno exercício. Estás a ver aquela camisola espetacular que está a metade do preço nos Saldos? Contribui com metade desse valor para vermos edificados estes sonhos

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Catarina Sanches
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Um dia, fui a África e gostava que fosses lá comigo, hoje. Pode ser? Comecemos por procurar Zanzibar no Google. É mesmo bonito, não é? Um arquipélago que parece ter sido desenhado a aguarela ao largo do Oceano Índico e que, de uma forma quase obscena, te seduz e te convida a esquecer os largos euros que impõem a vossa distância. Agora vamos para a segunda parte do exercício.

Clica só em imagens e repara que, na grande maioria das fotografias, não aparecem pessoas. Bom, até vão surgindo algumas, mas são quase todas caucasianas, não é? Que estranho.

"Aquilo fica em África, não é?" Sim. Naquele continente que parece ter sido deixado à mercê do fosso entre ricos e pobres e onde já nem a Terra Mãe parece ter muito a dizer sobre os seus próprios filhos que, órfãos, se debatem por entre os fracos meios de preservação dos recursos naturais, os desajustes populacionais e os sistemas de saúde que, diariamente, erguem armas para verem alcançados os padrões básicos de humanidade.

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Mas nós não somos assim tão desumanos. Segundo alguns dados recentes, parece que a África nunca recebeu tanto dinheiro como hoje em dia. Porém, segundo diversos analistas, parece que isto está longe de ser uma muito boa notícia, já que apesar de ser um contributo fundamental para uma série de melhorias, este auxílio internacional não se tem refletido tanto assim em progresso local, tendo vindo inclusivamente a fomentar um sistema ‘auto-proclamado’ de esmolas que, gradualmente, tem vindo a colocar em causa a responsabilidade dos próprios governos em fortalecer as suas próprias infraestruturas sociais.

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Opiniões à parte, certo é que algures no tempo já ecoou pela cabeça de quase todos nós aquela genuína vontade de largar tudo para irmos ajudar os meninos em África e felizmente somos muitos os que, seja lá com que periocidade for, contribuímos com os nossos donativos para determinadas instituições. Mas, se tanto é o apoio que por lá vai chegando, por que é que continuam todos ao abandono, por lá?

Isto leva-me ao ponto onde queria chegar: a crença de que a verdadeira diferença apenas poderá ser alcançada se pararmos de concentrar os nossos esforços nesta tipologia de auxílio mais global e começarmos antes a dar-nos ao trabalho de procurar e detetar programas verticais, destinados ao apoio e à extinção de problemas específicos, locais e cujo donativo – por mais pequeno que seja – pode alterar substancialmente a probabilidade do seu sucesso.

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Assim, e se aceitares vir agora comigo para longe dos horizontes azul turquesa de Zanzibar, quero falar-te de um grave problema: a saúde e higiene públicas das ruas desse mesmo arquipélago. Eu estive lá e se te disser que por cada 3 ruas em Zanzibar temos 0 caixotes do lixo, estou claramente a ser demasiado comedida. Esta realidade tem vindo a causar o bloqueio das vias fluviais e a consequente inundação dos canais que atravessam o arquipélago, contribuindo para uma intensa poluição por toda a cidade. É aqui que entra a Vikokotoni Environment Society, uma iniciativa que resulta da colaboração entre grupos comunitários, ativistas, investigadores e artesãos locais que, nos últimos 5 anos, se têm debatido a ferro e fogo para melhorar o bem-estar do povo de Zanzibar e alterar o rumo dos acontecimentos.

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‘No primeiro dia que inaugurei esta iniciativa apareceram cerca de 200 pessoas para começarmos a recolher o lixo, mas quando lhes disse que teria de ser tudo recolhido com as próprias mãos, no fim, sobraram cerca de dez“, contou-me Khamis Ivisabah Hmad, fundador da Sociedade. Hoje são já 35 limpadores de rua locais que trabalham todos os dias para limpar as ruas e garantir o funcionamento mínimo do sistema de drenagem da área mais movimentada mercado em Zanzibar, onde diariamente passam milhares de pessoas, com as suas próprias mãos. Infelizmente, nem todos estes voluntários têm acesso a equipamentos de segurança básicos, o que tem vindo a tornar as coletas diárias em processos cada vez mais lentos e perigosos. É, assim, urgente que estes limpadores de rua passem a ter acesso a equipamentos de segurança básicos, uma evolução que está dependente da compra de coletes, luvas e botas, bem como de um veículo de carga que possibilite armazenar e separar todos estes materiais.

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E é aqui que entramos nós, tu e eu, aqueles tais caucasianos das fotografias. Isto porque, como se não bastasse, eles sonham ainda com a construção de um Eco-Center, um edifício de raiz que se verá erguido naquele que era, há cinco anos atrás, uma das vias mais obstruídas pela poluição. Hoje, graças a esta incansável equipa, está pronto para ser um dos principais alicerces do projeto. No seio deste edifício querem armazenar todos os resíduos recicláveis recolhidos nas ruas para lhes dar uma nova vida e, se achas que a ambição desta equipa se fica por aqui... desengana-te.

Não é apenas aos materiais que querem dar uma nova vida, mas a toda a comunidade. Querem construir espaços onde possam organizar projetos educativos com uma escola que funciona a paredes-meias com o local onde se irá erguer o Eco-Center para que possam dotar estas crianças de uma nova mentalidade face aos problemas e aos desafios que se colocam no seio da sua própria sociedade, bem como montar uma sede onde as comunidades locais poderão arranjar emprego e colocar em prática processos de reutilização e reaproveitamento de variados materiais.

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Muito mais te poderia contar sobre as ambições desta equipa, porém, se me leste até aqui, vou aproveitar para salientar apenas mais um dos seus objetivos. Naquele que é o mercado mais movimentado de Zanzibar existe apenas uma casa de banho pública... e que é paga. Vendedores, comerciantes, peixeiros e todos os que por ali se movimentam não têm, por isso, muito mais escolha do que recorrer à utilização das próprias ruas ou, em última instância, a pequenos recipientes de plástico que são posteriormente deixados, onde? Exacto, na rua.

Posto isto, e regressando ao início desta crónica... Gostava mesmo de te convidar para um pequeno exercício. Estás a ver aquela camisola espetacular que está a metade do preço nos Saldos? Contribui com metade desse valor para vermos edificados estes sonhos e, com o resto, começa a poupar para ires até lá ver o resultado.

Acredita, vale mesmo a pena visitar Zanzibar, e deixa lá as praias. É mesmo pelas pessoas que jamais te irás esquecer daquela terra. Aquelas que, hoje, precisam urgentemente da tua ajuda. Aceitas o exercício?

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