Nuno Silva vai à procura de sinais de vida em Marte
Portugueses são uma comunidade jovem e pequena, mas fazem parte da elite mundial na investigação aeroespacial e constituem um dos nossos melhores "produtos" de exportação. Na missão ExoMars, Nuno Silva busca, já em 2016, sinais de vida em Marte
Se há sete anos alguém dissesse a Nuno Silva que, em 2015, iria saber tanto sobre Marte, o português de 36 anos talvez não acreditasse. Desde 2008 que o engenheiro aeroespacial trabalha a pensar em 2019, ano em que se espera que um robô europeu chegue a Marte para procurar sinais de vida no planeta. “Foi uma oportunidade mas, nestas coisas, nós apaixonamo-nos pelo que fazemos”, conta ao P3. O chefe de departamento de “flight dynamics” da Airbus Defence and Space gere uma equipa de 22 pessoas e a missão ExoMars é um dos dois principais projectos a seu cargo, a partir de Stevenage, na Inglaterra.
Nuno começou por ser responsável pela equipa que desenvolvia a navegação autónoma do robô, “desde o software até ao equipamento, incluindo as suas câmaras de navegação e localização”, escreveu o PÚBLICO num texto publicado em Maio de 2014. No Verão desse ano, o jovem formado no Instituto Superior Técnico deixou a parte técnica da missão e assumiu um cargo de gestão dentro da Airbus, sempre com a chegada a Marte na mira.
O “momento da verdade” do ExoMars está a chegar, começa por explicar Nuno. Isto porque para 2016 está agendada a primeira de duas fases desta missão conjunta da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Espacial Russa (Roscosmos), estimada em 1200 milhões de euros. O módulo de demonstração “Schiaparelli” vai ser enviado já no próximo ano “com alguns instrumentos científicos” para aterrar naquele planeta. “Seria a primeira vez que a Europa aterraria em Marte com sucesso, se não se tivesse descoberto o Beagle”, aponta.
Estará Marte realmente morto?
Esta primeira fase tem um objectivo mais tecnológico do que científico (daí serem “muito poucos” os instrumentos a viajarem em 2016). O plano é que a sonda “Trace Gas Orbiter”, que transporta o módulo, se mantenha em órbita para fazer comunicações entre a Terra e os aparelhos da missão, quer no ano que vem quer em 2019. “Se 2016 não funcionar não temos como comunicar com a Terra”, resume Nuno.
Ao contrário das missões levadas a cabo pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA) em Marte, “mais focadas em geologia”, o ExoMars quer centrar-se na biologia. O objectivo é claro: “Detectar sinais de vida em Marte, actuais ou passados”. O "rover", o veículo de controlo remoto, — cujo início da montagem estará para breve, de acordo com a BBC, e poderá ser acompanhada através de câmaras — “vai permitir a recolha de amostras até dois metros de profundidade, com uma broca”, revela. O “Curiosity”, da NASA, “descobriu moléculas de metano porque conseguiu escavar um bocadinho com a ponta da pá que tem na ponta do braço”. “Se se consegue isto com um centímetro de profundidade, imagina com dois metros”, entusiasma-se Nuno.
Tanto quanto se sabe, “Marte é um planeta morto” — cabe à missão europeia descobrir se o é ou não. “Temos a certeza que, se não está morte, a vida está muito bem escondida. Toda a reia está por cima de alguma coisa, como os fósseis que estão na Terra”, compara. “Tudo o que é passado no Planeta Vermelho está enterrado e a ideia é furar. Quanto mais escavamos, mais no passado estamos.”
Apesar dos planos, o engenheiro vê a concretização da missão nas datas estipuladas “cada vez mais difícil”, devido aos atrasos ligados a “constrangimentos financeiros”. “Chegar a Marte demora o tempo que demora, não podemos fazer nada em relação a isso. Politicamente, a data importante continua a ser a do lançamento, em 2018.”
A Internet é aliada de quem estuda o espaço
“[Na indústria espacial] temos que fazer muitas vezes escolhas que só daqui a vários anos saberemos se dão certo ou não. Não dá para testar tudo na Terra”, sublinha. Como o ambiente de Marte “não é tão bem conhecido” como o do espaço vazio, simular torna-se mais complicado. O tempo é também um factor importante quando falamos de missões espaciais, um “investimento pessoal” que é feito durante vários anos. “É preciso ter em conta que os projectos vêm, pelo menos, com dez anos de espera para se ver o resultado do nosso trabalho (…) Muitas pessoas não o chegam a ver porque a missão pode falhar ou ser cancelada.”
O interesse do público pelo espaço, acredita, prende-se com “uma atracção pelo desconhecido”. “Há uns séculos, o desconhecido era o oceano, o que estava para lá. Agora já é mais ou menos trivial saber o que se passa do outro lado do mundo em directo”, pensa. “Infelizmente”, continua, “isto tanto é válido para o espaço como para as ciências ocultas”. No caso concreto do planeta vermelho, o fascínio pode estar relacionado com as imagens. “Uma fotografia do Hubble é muito bonita mas não é perceptível”, carece de uma explicação. Por outro lado, “uma imagem de um planeta ou de um terreno é bastante mais perceptível para o público em geral”. “Ainda por cima dá para tirar ‘selfies’, o que também está muito na moda”, brinca, numa alusão ao “Curiosity”, que tem uma espécie de braço com uma câmara fotográfica.
A missão Rosetta — que em Novembro de 2014 se transformou num sucesso na Internet — teve “uma visibilidade muito elevada” porque permitiu “começar a tirar fotografias do asteróide e ao próprio ‘lander’, o Philae”. “A ESA soube usar o Twitter e o Facebook, não ficou pelo uso do site, que é algo que o Curiosity faz também”, reflecte o português. “Nós [ExoMars] esperamos fazer exactamente o mesmo”, garante Nuno. O sucesso nas redes sociais “é a prova de que as pessoas estão mesmo desejosas de ter informação mal ela existe”. A Internet, considera, “é o meio mais fácil de aproximar o público da informação”.