Quando, em Fevereiro, um veículo europeu completou, com sucesso, uma viagem experimental ao espaço, 30 engenheiros portugueses respiraram de alívio. O escudo térmico do Veículo Intermediário Experimental (IXV, em inglês), cujos testes foram realizados pelo ISQ (antigo Instituto de Soldadura e Qualidade), resistiu à reentrada na órbita da Terra, depois de uma viagem de 100 minutos. Os resultados desta missão da Agência Espacial Europeia (ESA) ainda não são conhecidos, mas o IXV já se tornou no primeiro veículo produzido na Europa a ser lançado para o espaço e a reentrar na atmosfera terrestre, pousando em segurança no Oceano Pacífico.
Nos últimos cinco anos, o ISQ efectuou testes ao tal escudo — desenvolvido pelos franceses da Safran — num projecto que implicou um investimento de cerca de dois milhões de euros. “Faltava escolher os materiais e definir o desenho [configuração] dos materiais — desde o parafuso”, disse Paulo Chaves, responsável pelo projecto da ESA no ISQ, ao PÚBLICO, em Fevereiro último.
A indústria aeroespacial representa, actualmente, “5% do volume de negócios” do ISQ, esclarece Paulo Chaves, em entrevista ao P3 sobre a evolução da empresa. Dos 100 milhões de euros que factura, por ano, perto de 2,5 milhões são relativos ao sector aeroespacial. “Continua a ser um sector pequeno para nós (…), mas foi o que mais cresceu nos últimos dez anos, dentro da empresa”, realça o engenheiro.
Praticamente desde que Portugal se tornou membro da ESA, a 14 de Novembro de 2000, que o ISQ tem desenvolvido projectos relacionados com esta indústria, aproveitando “as infra-estruturas e as competências inicialmente criadas para as áreas da soldadura e qualidade”, diz. O “contrato de grande dimensão” que ganhou junto do CERN, na viragem do milénio, também contribuiu para o investimento no espaço. “Fomos adquirindo conhecimento e credibilidade e, pouco a pouco, alargámos o tipo de actividades. E pretendemos alargar muito mais.”
Paulo Chaves acredita que a indústria “está a passar por uma transformação muito grande, a migrar do institucional para o privado”. Por outro lado, “o custo do acesso ao espaço está a baixar muito”. Estes dois factores, crê, propiciam um “aumento de oportunidades” — incluindo para empresas portuguesas. “A Europa tem a maior quota de mercado no lançamento de satélites comerciais do mundo”, afirma. Estes lançamentos são feitos de Kairou, na Guiana Francesa — onde o ISQ mantém colaboradores. O que se passa na Europa, diz, “é uma interacção entre os vários países, em que cada qual se mexe um bocadinho”.
“Hoje, todos nós temos uma actividade e uma necessidade de serviços que passam por uma infra-estrutura espacial”, reflecte o responsável do ISQ, para quem o aparecimento dos telemóveis e o aquecimento global contribuíram para a crescente utilização da “órbita baixa terrestre”. Para Portugal, isto interessa porque o país tem, “quer a nível académico quer das empresas, competências e conhecimento que encaixam nesta procura”. Se no início, o foco era na “parte do desenvolvimento”, hoje já há empresas “a vender ‘hardware’”, como é o caso da LusoSpace (que o vende para a produção de satélites) e da Efacec.
Depois do IXV, o ISQ quer apostar no “desenvolvimento de tecnologia e no acompanhamento de operações industriais”. Já em andamento estão dois projectos na área da “análise de ciclo de vida para a indústria espacial”, cujo objectivo é analisar o impacto ambiental de um determinado objecto “desde que é criado até ao momento em que vai para a sucata ou é desfeito”. Um deles está relacionado com os lançadores e outro com combustíveis.
Indústria "terrivelmente conservadora"
Engenheiro mecânico de formação, Paulo Chaves estreou-se na área do espaço quando começou a trabalhar no ISQ, em 2003. Surpreendeu-o o facto de esta ser uma indústria "terrivelmente conservadora” e fascina-o, constantemente, a evolução a que assiste. “Estamos a assistir a uma democratização e massificação da utilização da infra-estrutura espacial”, considera, comparando o fenómeno com a evolução da aeronáutica “nos anos 20 e 30”. “O processo demorou décadas, mas houve um ponto de inflexão em que as coisas se democratizaram.”
Nos últimos 12 anos, Paulo viajou muito em representação do ISQ junto da indústria espacial. Observa, por isso, que as empresas ou instituições nacionais têm “um duplo ‘handicap’ lá fora”. “Somos portugueses e não temos qualquer currículo, histórico, de participações em áreas tecnológicas de ponta, em termos de veículos”, explica. “Por causa desta dupla barreira temos que fazer não como os outros, mas melhor.”
Como a indústria “é fechada à volta da questão da credibilidade”, conquistá-la garante a abertura de portas. É um “processo lento e árduo”, mas já vai sendo hábito “ver portugueses nestas andanças”. Para o engenheiro, o “handicap” está a ser vencido. “Se calhar, daqui a cinco ou dez anos, já ninguém estranha”, acredita. “No início da década de 2000 éramos quase como extraterrestres.”