Quando o emigrante volta a casa

Oito meses depois vamos voltar a Portugal, oito meses depois vamos voltar ao mar, oito meses depois vamos voltar

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Oito meses depois vamos voltar a Portugal, oito meses depois vamos voltar ao mar, oito meses depois vamos voltar. Oito meses depois vamos voltar e vai estar tudo na mesma, tudo, menos nós, nós os dois, tu e eu, magoados pelo tempo, feridos na diáspora, com os olhos mais abertos, com os olhos mais despertos, e este olhar um pouco mais triste, ainda mais triste, sempre mais triste. Porque lá fora não há quem nos valha, somos sós, os dois, tu e eu, e ainda bem, porque se assim não fosse não te saberia dizer como seria possível viver tanto e morrer tanto sem nos termos, um de cada lado, para nos agarrarmos, que é para não cairmos, que é para nos sustermos, um ao outro, de pé.

Oito meses depois vamos voltar, a casa, e vai estar tudo na mesma, a árvore de Natal erguida ao lado da televisão, morta (a árvore ou a televisão? porventura as duas), à espera de um outro Natal para se voltar a encher de luz, assim pintalgando a sala nas cores do arco-íris. E mais parece o Natal ao contrário, por causa do calor, e talvez seja assim nos antípodas, enquanto é Verão e um velho de barbas larga prendas do céu. Não sei. O que eu sei é a bizarria de voltar atrás no tempo sempre que chegamos a casa, onde o relógio só funciona se dermos à chave na porta. E nos entrementes o silêncio. Nos entrementes, quando tu lá não estás e eu também não, o nada feito das paredes mudas e surdas, hirtas, cegas, à espera do nosso tacto, do nosso afecto, do nosso calor mais o suor dos nossos corpos. À espera das crianças, quem sabe outras crianças, mais crianças, outra vez crianças, aquelas que um dia deram a esta casa uma vida e um sentido, senão as nossas, outras quaisquer, mas crianças, porque enquanto nós só estamos de passagem, as crianças vieram para ficar.

Vamos voltar a casa, o Café vai estar no mesmo lugar e os vizinhos também, nas mesmas mesas e nas mesmas cadeiras, e vão dizer-nos adeus com a mão, contentes por nos ver, como se já não nos vissem há muito tempo. E nós vamos acenar também, e ao longe dizer, com a mão aberta, que são só cinco minutos, o tempo de largar as malas e vir tomar um café como só há em Portugal. Mas até lá vamos subir a rua, pisar a calçada que lá fora não existe enquanto estranhamos o azul do céu e o calor na pele por debaixo de um Sol tão perto, tão baixinho, que quase dá para nos empoleirarmos na pontinha dos pés e sussurrar-lhe ao ouvido “Tínhamos saudades tuas, lá fora estás sempre a fugir-nos“.

A casa já está à vista, já demos a curva, mas desta feita não está sozinha, porque à nossa espera vão estar os teus pais e os meus, mas não na mesma, não como os deixámos, mas mais velhos, mais saudosos, mais cansados, e vá-se lá saber porquê, vamos ser seis ao portão, enquanto largamos as malas no chão e nos agarramos uns aos outros a chorar.

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