Obrigado! E boa sorte aos que ficam

Portugal é o país das maravilhas e saí porque era perfeito demais para mim? Desejo boa sorte aos que ficam, vão precisar mais dela que eu

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José Manuel Ribeiro/Reuters

Foi com alguma perplexidade que, recentemente, li um texto assinado por Gustavo Sande e Castro intitulado “Adeus e Boa Sorte”. Como alguém que se encontra a recomeçar do zero num país diferente, não deixo de me questionar se o ensino de gestão em Portugal estará num nível tão medíocre que leve à aparente incapacidade do autor de compreender a mais básica realidade do país, ou se estaremos na presença de mais uma manifestação de desonestidade intelectual de propaganda patriótica pródiga desde o aparecimento do VEM?

Antes de mais, e à semelhança do Gustavo, saí também de Portugal por opção e não por falta de oportunidades. Mas, então porque é que o fiz? Desde logo pelo cansaço. Cansado dos esquecimentos do primeiro-ministro que elogia os dotes de gestão de um outro esquecido, dotes esses que estão ainda a ser pagos pelos portugueses. Cansado do desaparecimento de documentos do gabinete de Portas ou das licenciaturas de Relvas e Sócrates, com o cansaço extremo que as notícias da prisão do último trazem. Cansado do “amadorismo” e incompetência desesperantes na gestão do BES ou da PT, cansado da teia de interesses e compadrios urdida pelas bases dos partidos do arco do poder que bloqueiam toda e qualquer possibilidade de real mudança. Cansado das “excelências” e dos “doutores”, dos bons nomes, das boas famílias e da fina elite dos “coladores de cartazes” que delapidaram quase 200.000.000.000 € de privatizações e mais de 220.000.000.000 € em empréstimos em obras megalómanas inúteis e com derrapagens astronómicas. Cansado do favor, da cunha, do jeitinho e da conta sem IVA.

Mas, mesmo assim o cansaço do sistema podre vigente, não foi motivação suficiente para a saída. Essa veio de uma preocupação generalizada: o futuro. Quis respirar ar limpo, quis ter o direito a fazer planos, e principalmente quero que as minhas filhas o possam fazer também. Nunca num Portugal decrépito e corrupto tive a oportunidade de o fazer. Não é isso que quero, não é com esse país que me identifico. Desejo boa sorte aos que ficam, vão precisar mais dela que eu. O texto do Gustavo contém, no entanto, imprecisões mais graves: há muitos portugueses que não só se sentem abandonados pelo país, como efectivamente o foram. E preocupa-me a nova vaga de gestores que este autor representa, e que aparentemente só compreende o desemprego dos enfermeiros. O resto é só má vontade e falta de esforço: malandros, não querem “bater punho” a troco de 600 € por mês e pelo menos 10 horas de trabalho diárias, mas sem queixas, senão há uma fila quilométrica para os substituir. Preocupa-me também que desconheça a diferença salarial entre um trabalhador de um restaurante de “fast food” em Portugal e na generalidade dos países europeus, ou o desconhecimento da definição de estágio.

Mas percebo a frustração expressa, alguém que já trabalhou em cadeias de “fast food”, mestre em gestão, não terá grandes hipóteses no estrangeiro, e terá que se resignar em seguir a meritocracia medíocre vigente no seu país de origem. Felizmente não estou condicionado pelas suas limitações, assim como outros milhares de engenheiros, arquitectos, médicos, enfermeiros, cientistas, etc. Claro que uma das fatídicas questões que nos colocam é “porque vieste?”, ou “porque emigraste?”. Caro Gustavo, o que quer que se responda? Portugal é o país das maravilhas e saí porque era perfeito demais para mim? E é de facto de bradar aos céus que um gestor aparentemente desconheça a história recente de Portugal ao ponto de desprezar a contribuição dos emigrantes no desenvolvimento do país. Sem sombra de dúvidas que, com gestores assim, o futuro não se afigura muito risonho.

Resta-me terminar desejando boa sorte a todos os que ficam! Votos sentidos e um pedido expresso ao Gustavo e a todos os que pensam como ele: fiquem, por favor. Não fazem falta nenhuma fora daí.

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