Após prenderem Cristo, os captores que o guardavam apiedaram-se dele. Julgavam ser cruel levar aquele homem à cruz onde haveria de morrer sem lhe permitir uma única experiência sexual. Para evitar que Jesus morresse virgem, mandaram chamar Maria Madalena, convidando-a a garantir ao pobre filho de deus que passasse a última noite terrena com o máximo de luxúria e prazer que lhe fosse possível. Maria Madalena congratulou-se com a ideia e entrou na tenda onde Cristo pernoitava. Cinco minutos depois, ouviram-se gritos femininos e a mulher saiu dali aterrorizada. Quando os guardas lhe perguntaram o que tinha acontecido, Madalena explicou: “Comecei a seduzir Cristo e, já depois de ter acabado as minhas danças nupciais e de ter tirado as roupas, abri as pernas e o salvador espantou-se. Tentando tocar-me, disse: ‘Credo, Maria, que ferida horrível que aí trazes! Deixa-me curar-te!’ E eu não quero ser curada!”
A anedota, deveras vulgar, é contada por Slavoj Zizek no seu livro “Event” com o propósito de ilustrar que nem tudo o que é aparentemente grave deve ser resolvido ou curado. Eis uma boa metáfora para satirizar o modo recorrente (e chato!) com que os católicos no geral tentam evangelizar os não-crentes. Como se não acreditar em deus fosse uma grave condição da qual devemos recuperar para escapar a males maiores. Crentes, acreditem também nisto: nós, ateus, não queremos acreditar no que quer que seja que têm para nos oferecer. Não queremos nem somos capazes, porque não nos faz sentido.
Os ateus não são melhores pessoas que os religiosos, porém. Possuem apenas um entendimento diferente do universo que os circunda. Mas a sua crença num Nada, ou nas (in)felicidades do Acaso, é tão legítima quanto aquela que rege os que acreditam firmemente num deus, seja ele uma entidade suprema, um paquiderme de três trombas ou a perna de uma cadeira. Existe, todavia, uma diferença entre estes dois tipos de crentes: os religiosos demonstram uma certa tendência para o totalitarismo.
É comum sentir algum afastamento de qualquer crente a quem digo que sou ateu – ou, nos dias mais optimistas, agnóstico. Nasce uma censura no olhar e, por vezes, sussuram-se alertas, movidos a medos que considero irracionais e tolos: se não prestares culto, ainda vais sofrer muito depois de morrer, e depois terás de prestar contas ao demónio. Em tom de brincadeira, que leva a conversa a um lugar ainda mais constrangedor, costumo dizer que, se me fosse dado a escolher, preferiria o inferno ao paraíso; ali, tudo parece ser mais agradável: a música é melhor, o ambiente é mais quentinho e as miúdas são, claramente, mais divertidas. Eis um poema, como diria uma amiga minha.
E depois, quando se brinca com religião, levantam-se os fervores. Regem-se as pessoas por este princípio: se não estás comigo, estás inevitavelmente contra mim. Outra idiotice, que se observa em eventos tão díspares em circunspecção como os atentados ao Charlie Hebdo ou uma discussão inofensiva com uma beata mal fumada. Se as pessoas fossem tendencialmente mais racionais e não lagartos expostos ao sol que se aprazem com qualquer sabor de brisa, a compreensão seria rainha. Ouvíssemos nós que uma pessoa não aceita transfusões de sangue por ser jeová ou que não come bolos de arroz à quinta-feira por ser adorador do girino do Bangladesh, e as reacções adequadas seriam a naturalidade e a inevitável aceitação da diferença.
Religiosos, uma informação importante: nós, ateus, também somos crentes. Acreditamos que esta é a nossa única vida e que não devemos desperdiçá-la a ouvir as vantagens que teríamos num cartão de loja caso visitássemos o vosso templo com uma dada periodicidade. E não quer isto dizer que não tenhamos o nosso lado espiritual devidamente desenvolvido; cada um de nós sabe, por certo, aquilo que o move. E, no fundo, só queremos ser deixados em paz.
Fecho com uma mensagem àqueles que aqui quiserem comentar cenas do estilo “deus ainda te vai castigar” ou “hás-de entalar o mindinho na porta do carro”: Um dia, quando arranjar um gato, chamar-lhe-ei Lúcifer. Só para chatear.