O porquê de não ter filhos

Não, vocês não têm de ter filhos apenas para satisfazer os anseios das outras mães, as quais mal podem esperar para ter mais uma vez nos braços os filhos que não souberam ter

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Suzanne Plunkett/Reuters

Porque têm de ter filhos, não porque os queiram, mas porque assim o ditam as normas de uma sociedade, a qual se quer de bem, de bem consigo e de bem com os outros. Mas não só. Porque por alguma razão encasquetaram nessas cabeças serem os filhos o vosso passaporte para a eternidade mais a continuação de vós mesmos, um garante da vossa passagem nesta Terra ou a certeza em como algum dia, num futuro distante, a memória dos vossos corpos perdurará para além da finitude dos mesmos. A isso chamo vaidade, a vã esperança em como o mar terá mais respeito pelas pegadas que são as nossas em detrimento das demais circundantes. Não, vocês não têm de ter filhos apenas para satisfazer os anseios das outras mães, as quais mal podem esperar para ter mais uma vez nos braços os filhos que não souberam ter, assim responsabilizando os vossos ventres por erros que não são os vossos, nunca foram, não hão-de ser.

E depois, se os tiverem, aos filhos, quem deles cuidará se os tiveram contra vontade? Sim, porque bons são os filhos dos outros, por isso essa vontade, por isso a obrigação, sem desejo, toda ela imposição: os outros que mudem as fraldas e aturem os berros entre noites a pé e dias aturdidos, porque estas mães que o foram ou hão-de ser querem mas é ser tias à custa do anuimento de jovens tão dóceis quanto incautos. Jovens, não sejam doces num mundo cão. Jovens, não sejam um tenro pastel de nata mas o tutano de sempre, dentro desse osso duro de roer.

Por isso não, filhos não terão, pelo menos por agora, até porque hoje em dia existe aquela coisa que se chama planeamento familiar, e há médicos, pílulas e preservativos, e se vocês se vão amar, decerto não é para procriar, porque se Deus não está morto, para lá caminha, e pelo que vos contaram Ele nem sequer existe, é apenas uma patranha para nos assustar quando a noite cai ou sempre que é preciso votar (com a cruzinha no lugar certo, diz o senhor prior). Por isso multipliquem-se vocês, porque cá por este canto temos apenas dois seres que se querem, um ao outro, um pelo outro, mais os seus projectos e os seus sonhos, uma casa, viagens os dois, uma vida a dois, os quais não rejeitam nem desdizem a hipótese de uma ou mais crianças, quem sabe?, mas cada coisa a seu tempo, ao vosso tempo, por favor, porque se mais alguém vier, por certo virá por bem, e virá também.

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João André criou o blogue Dar aulas em Inglaterra
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