Seis Nações: Cinco ideias após a 3.ª Jornada

Com dificuldades em progredir no terreno, a Irlanda aposta na manutenção da posse de bola, a Inglaterra continua a crescer e ainda não está vencida

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1 - As improváveis ligações entre defender e pontapear

Quando falamos de defesa, falamos antes de mais da capacidade individual de placagem. Falamos também de velocidade de subida da linha e capacidade de preenchimento dos espaços entre defesas com ganhos a nível de largura. Falamos, de seguida, de táctica na primeira linha defensiva, navegando entre a defesa blitz ou deslizante. Sobressaem neste competição as defesas blitz do País de Gales, Inglaterra e França, com velocidades vertiginosas de subida, que retiram espaço e tempo aos penetradores curtos e decisores/distribuidores, mas expõem os espaços médios nas costas da defesa e/ou os espaços longos. Mas impera a defesa mista Irlandesa. Apesar de serem a equipa que mais placagens falha, são quem melhor ocupa os espaços médios e profundos nas costas da defesa, com quatro homens basculantes, e com os pontas fechados a serem os mais alertas na compensação do avanço do defesa, provocado pela integração na primeira linha do ponta aberto (bom exemplo dado por Simon Zebo na primeira parte, na cobertura de um pontapé “grubber” de Jack Nowell). Desta forma, a Irlanda neutraliza a proposta de ocupação territorial ao pé e desarma as tentativas de quebra de linha com recurso a pontapés curtos. Também pela forma como defendem, o jogo ao pé dos irlandeses é o mais eficaz neste torneio.

2 - A Irlanda ganha. Mas será que convence?

Convence sem deslumbrar. O arguto Joe Schmidt compreende como ninguém as características dos seus comandados, e impõe princípios de jogo claros: jogar o máximo de tempo possível nos 40 metros atacantes, contando com a bota irrepreensível de Sexton para lá chegar rapidamente; progressão contínua no terreno, com recurso a “up & unders” (os garryowens antes popularizados pelo XV de Limerick) intermináveis, a que se juntam dois perseguidores de eleição, Bowe e Zebo, e uma matilha de recuperadores insaciáveis (O’Brien, O’Mahony, O’Donnel, Murphy ou Heaslip); uma disciplina que lhes permite ter, juntamente com Gales (as duas equipas que mais enfâse colocam no “breakdown”), metade das posses de bola perdidas das restantes equipas. A Irlanda de 2014, a da derrota tangencial contra os All Blacks e da vitória nas Seis Nações, era mais estética mas menos clínica. A de 2015 coloca “todas as fichas” na manutenção da posse de bola, já que sabe bem o quanto lhe custa progredir no terreno. É que para avançar, depende essencialmente do jogo ao pé e da possibilidade de recuperação da posse na zona certa do terreno.

3 - A Inglaterra perdeu. Mas será que está perdida?

Não, apesar dos clamores nesse sentido de alguma imprensa inglesa – sempre instável, contrariando o fleumático espírito britânico. Lancaster restituiu a decência e a cultura de equipa à selecção. O “professor” conseguiu implementar uma estrutura interessante, com a constante de duas linhas de ataque, e manteve o conjunto avançado mais temível da Europa. Falta-lhe, no entanto, melhorar consideravelmente em aspectos chave: (I) selecção – entre a lealdade e o primado da qualidade. A retrospecção é maravilhosa, mas quem escolhe continua a actuar na base da prognose, pelo que o que aqui vai dito é temperado pela natureza das coisas: Lancaster está há demasiado tempo a ignorar o óbvio. Ford, Joseph, Elliot Daly, Wade, Joe Simpson e Cipriani esperam ou esperaram demasiado tempo por uma oportunidade. Engraçado verificar que no “pack”, também por força das lesões, o reconhecimento da boa forma foi resultando em justas chamadas ao XV de jovens promissores (Kruis, Attwood) ou veteranos retemperados (Easter, Haskell); (II) substituições – durante muito tempo foi a questão da predeterminação das substituições, sempre repetidas na forma e no tempo. Hoje, é a questão da ideia subjacente. A perder, Lancaster tira Joseph do jogo, juntando Burrell a Twelvetrees. Lealdade ou cautela valorizadas face ao risco, com 20 ou 15 minutos para jogar? De todo o modo, esta equipa – treinadores incluídos – tem o privilégio do tempo e crescerá no ambiente de coerência instigado por Lancaster. Como nota final, algo de intangível: parece-me que a Inglaterra teve, em Dublin, um daqueles dias irrepetíveis, em que tudo corre mal.

4 - A contradição escocesa

Três jogos, três derrotas. Desastre, correcto? Nem por isso. A Escócia regista neste torneio índices atacantes (vide quebras de linha e “offloads”) promissores, bem como um índice de eficácia de placagem entre os melhores. Sob a orientação de Cotter, continuarão a ser positivos, restando esperar que os processos de decisão e sobretudo de execução permitam a confirmação da intenção, na forma de resultados.

5 - A provocação de Steve Hansen

Steve Hansen, o treinador neozelandês, confessou o seu aborrecimento perante os jogos deste Seis Nações, notando o baixo número de ensaios marcados, e apontando o enfâse colocado na defesa e no jogo ao pé. Recentemente, Conor O’Shea – um dos mais notáveis e coerentes treinadores da actualidade – fez comentários muito semelhantes, sublinhando a responsabilidade que todos os intervenientes no jogo têm de assegurar a sua qualidade, e consequente interesse para o público. Quando questionado sobre se este era um problema do Norte, Hansen foi polido e respondeu que é uma preocupação global. Mas não é verdade. A Austrália, a Nova Zelândia e em certa medida a África do Sul retêm a capacidade para marcar ensaios de primeira fase, a vontade de explorar os canais exteriores com linhas de corrida e estruturas que mantêm a defesa comprimida; ou seja, continuam a assumir o risco do jogo positivo. Algo que resulta das directrizes claras da SANZAR, que pretende manter intacta a espectacularidade do seu “produto”, em nome do interesse das massas e patrocinadores. No Norte, e na falta de uma visão positiva global sobre a tutela do interesse inscrito na modalidade, os árbitros permitem que o segundo placador (o denominado “assist”) não largue o placado e adopte uma posição no limite em termos de sustentação do próprio peso na formação espontânea. Basta confrontar um jogo das Seis Nações com um do Super Rugby, analisar a acção dos dois placadores, contar o número de jogadores envolvidos em cada “ruck” e consequentemente o tempo médio de libertação da bola. Assim se explica a dinâmica e espaço do jogo no hemisfério sul.

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