A sodomia é um “crime abominável contra a natureza” e um “mal monstruoso”. É assim que começa uma proposta de lei apresentada por um advogado na Califórnia que quer legalizar a morte de gays e lésbicas com uma bala na cabeça e condenar ao pagamento de uma coima de um milhão de dólares quem apoiar os direitos dos homossexuais. A proposta chegou ao gabinete da procuradoria-geral do estado da Califórnia no final de Fevereiro e o objectivo é que seja votada em Novembro do próximo ano.
Segundo o documento que chegou ao gabinete da procuradora-geral Kamala Harris, “qualquer pessoa que voluntariamente toque noutra pessoa do mesmo sexo para fins de gratificação sexual deve ser morto com balas na cabeça ou por qualquer outro método conveniente”. Aos que divulguem directa ou indirectamente “propaganda sodomítica” junto de menores de 18 anos, deve ser aplicada uma coima de um milhão de dólares e/ou serem sujeitos a uma pena de prisão até dez anos, ou ainda ser expulso permanentemente do estado da Califórnia.
A proposta de lei sugere ainda que “nenhuma pessoa deve ocupar qualquer cargo público, nem servir num emprego público, nem gozar de qualquer benefício público, que seja um sodomita ou que defenda propaganda sodomítica ou que pertença a qualquer grupo que o faz”.
O Sodomite Suppression Act (Lei da Supressão Sodomita) é da autoria do advogado Matt McLaughlin, que pagou 200 dólares para avançar com a sua iniciativa e para que esta chegue à apreciação da procuradoria-geral e seja depois submetida a votação em Novembro do próximo ano na Califórnia. Para McLaughlin, será “melhor que os infractores morram do que todos nós sermos mortos pela justa ira de Deus”.
A proposta aguarda agora análise no gabinete de Kamala Harris, que deverá pronunciar-se até 4 de Maio. Com base na lei estadual californiana, Harris deverá redigir uma espécie de sumário, com 100 palavras, que resuma a iniciativa para que se inicie o processo de recolha de assinaturas de apoio ao documento. Chegada a esta fase, a proposta terá que reunir pelo menos 356 mil assinaturas no espaço de 180 dias para poder ser submetida a votos. Só o Supremo Tribunal poderá intervir e impedir que a proposta de lei seja submetida aos votos dos eleitores californianos por violar a Constituição.
O senador do estado da Califórnia Richard Lara, homossexual assumido, já se manifestou contra a iniciativa de McLaughlin. “Apoio a liberdade de expressão, mas defender a execução de uma classe protegida põe em causa o carácter e bom senso de quem o propõe”, defendeu.
Nas últimas semanas, o Sodomite Suppression Act está a testar os limites da liberdade de expressão na Califórnia e nos Estados Unidos e a levantar a questão de como pode ser aceite uma proposta que defende a morte de pessoas devido à sua orientação sexual. A organização política Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender Caucus da Califórnia escreveu uma carta ao Supremo Tribunal do estado a exigir uma investigação para apurar se McLaughlin tem as capacidades necessárias para exercer advocacia.
Foi ainda lançada uma petição através da organização norte-americana Change para que seja retirada a licença a McLaughlin por o advogado defender a legalização da morte de gays e lésbicas. Até esta quarta-feira, a petição tinha reunido mais de 37 mil subscritores.
A proposta de lei pode ser considerada como um atentado aos direitos homossexuais mas, com base na lei, McLaughlin pode apresentá-la desde que siga os procedimentos legais para o efeito. A dificuldade imediata que o advogado pode enfrentar, e que está a ser apontada por vários especialistas na imprensa norte-americana, é conseguir angariar mais de 365 mil assinaturas a favor da sua iniciativa. A médio prazo, tudo aponta para que a proposta de lei não passe no estado da Califórnia. Mesmo que isso aconteça, prevê-se que os seus opositores a levem à sala de tribunal.
Este caso levanta uma velha questão sobre a legislação californiana: a facilidade com que se pode apresentar uma iniciativa, mediante o pagamento de 200 dólares, e que esta seja submetida aos votos dos eleitores, os responsáveis pela entrada em vigor de leis como a Proposition 8, que foi aprovada na Califórnia nas eleições de 2008 e que ditava a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Carol Dahmen, uma das pessoas envolvidas no lançamento da petição online e militante democrata em Sacramento, considerou ao "The New York Times" que este caso se tornou um “dilema interessante para a procuradora-geral”, de mãos atadas pela própria lei para rejeitar iniciativas como as de McLaughlin. “"Ela provavelmente será obrigada a fornecer um resumo. Mas será que ela é obrigada a isso? Ela poderia fazer disto uma afirmação e dizer: 'Não vamos avançar com um resumo”, e deixar [McLaughlin] processá-la. Ela tem um edifício cheio de advogados", observou a activista. Matt McLaughlin tem-se mantido em silêncio desde que enviou a sua iniciativa ao gabinete de Kamala Harris.