Porto: A cada tatuagem um sorriso é reconstruído
O objectivo do Modus Ink: procura mulheres que, devido ao cancro, tenham sido submetidas a mastectomia e oferece-lhes a reconstrução do mamilo e aréola através de tatuagem
Modus Ink é o nome do estúdio de tatuagens e piercings do Porto que tem criado uma corrente de solidariedade nas redes sociais. Lara Amorim Ramos, a tatuadora, e Diana Costa, a proprietária do espaço, uniram-se em prol de uma causa e procuram mulheres que, depois de terem sido submetidas a uma mastectomia, estejam agora prontas para a reconstrução do mamilo e aréola através de tatuagem. O processo é gratuito e, garantem, irá melhorar a auto-estima e o bem-estar de quem, devido ao cancro, se viu submetido aos dolorosos processos de tratamento e recuperação. O norte-americano Vinnie Myers foi notícia no P3 em 2014, precisamente por se dedicar ao mesmo tipo de reconstrução através de tatuagem.
Os requisitos para que se considere uma pessoa apta a submeter-se a este procedimento são poucos: “Tem que ter aval clínico do médico, não ter feito qualquer cirurgia nos últimos seis meses ou ter qualquer outra intervenção pela frente”, indica Lara. Basta ligar e marcar mas, acima de tudo, “que esteja realmente disposta a dar o passo”. Normalmente, o aval clínico dado para o processo de micropigmentação é válido também para a tatuagem, mas Lara prefere fazer a distinção entre os dois processos: “Micropigmentação é um sistema em que a tinta é aplicada sobre a pele e depois, com a agulha, se pica a tinta para dentro, já a tatuagem é diferente, nós levamos a agulha com tinta para dentro da pele”.
Esta diferença transmite-se numa maior duração da tatuagem quando comparada com a micropigmentação, que se vai esbatendo com o passar do tempo. Ainda assim, existe sempre a possibilidade de ser necessário um retoque na tatuagem após a cicatrização total, já que “o mamilo vai estar um pouco mais claro e por isso é que nós pomos a tonalidade um bocadinho mais acima”, salienta.
Para além destas diferenças e apesar do aval médico, a tatuadora prefere avaliar pessoalmente cada caso antes de prosseguir com a tatuagem, de forma a garantir que estão reunidas as condições mínimas de segurança: “Há pessoas que fazem apenas quimioterapia e reconstrução, há outras que fazem radioterapia, que é localizada e destrói parte dos tecidos interiores. Muitas vezes, a pele fica muito fina. E, principalmente se a pessoa tiver um implante salino ou de silicone, tenho receio de tatuar porque a pele está muito próxima do implante”.
Para Susana Marta, ginecologista e clínica especializada em patologia da mama e do colo do útero, é raro colocar-se a prótese sem proteção. O “risco de extrusão da prótese”, ou seja, a probabilidade de esta sair do seu lugar, é bastante elevado caso não esteja devidamente protegida e, por esse motivo, existe sempre o cuidado de a envolver. Assim, as “contra indicações são as mesmas que as de uma tatuagem noutra zona do corpo”, sendo apenas necessário algum cuidado extra na pele de quem se submeteu a radioterapia, já que “é uma pele sensível e que pode ter uma reacção mais significativa que uma pele normal”, acrescenta.
O preço é também um factor de distinção nestes casos, uma vez que o custo da micropigmentação ronda os 200 euros e a tatuagem se fica pelos 50, no caso das mulheres não abrangidas pela actual campanha.
Estúdio recebe contactos de todo o mundo
A primeira pessoa a ser recebida na Modus Ink para o procedimento de reconstrução de aréola foi Cristina Moreira, de 43 anos, que há 16 anos foi submetida a uma redução mamária. Devido a uma exposição demasiado prolongada dos mamilos e aréolas, período durante o qual estiveram sem irrigação, estes necrosaram e despigmentaram. As cicatrizes visíveis e a assimetria das aréolas sempre foram um factor de desconforto psicológico e físico para Cristina. Demorou a fazer a tatuagem de reconstrução porque “não conhecia ninguém que o tivesse feito” e foi através das redes sociais que ganhou a confiança necessária para dar este passo.
“Vi a campanha no Facebook, que tinha amigos em comum com a Lara e pedi referências”, conta. Recebeu recomendações bastante positivas e decidiu visitar o espaço. Daí até à realização da tatuagem pouco tempo se passou. “Gostei muito da Lara, existe muito cuidado da parte dela, muita assépsia, o que transmite confiança”, garante. Enfermeira de profissão, diz-se pouco incomodada com agulhas mas, mesmo assim, garante que “a dor não justifica o medo que possa existir”. Aliás, Lara recomenda sempre o uso de um anestésico tópico que pode ser adquirido nas farmácias: “Mesmo quando me dizem que são resistentes à dor, que já passaram por muito e que não vai ser isto que lhes vai doer, eu prefiro que a pessoa esteja a usufruir do momento”, desfrutando do processo de transição, diz.
Cristina Moreira está bastante satisfeita com o resultado: as cicatrizes desapareceram, está mais simétrica e a pigmentação é uniforme. Aproveita mesmo para deixar uma palavra de incentivo a todas as mulheres que estejam a ponderar submeter-se a este procedimento: “Acho que é um tormento que podem minimizar, o nosso ego não fica tão em baixo e vale muito a pena”.
Os contactos têm sido constantes e até obrigaram à alteração da publicação, de forma a indicar que a campanha decorre apenas em território nacional. “As pessoas contactavam-nos até do outro lado do Atlântico e depois ficavam desiludidas ao perceber que não podiam usufruir desta oferta no seu país”, lamenta Diana. Apesar do elevado número de interessadas, ainda são poucas as que realmente deram este passo. “Informar-se é às dezenas por dia: pelo telefone, pelas redes sociais, por e-mail, tudo. Verdadeiramente tatuar cá na loja, foram só três ou quatro”, aponta Lara.
Quando questionadas sobre o motivo que as levou a oferecer este serviço, são unânimes. “Primeiro, porque somos mulheres”, afirmam. Depois, devido a casos similares que lhes são próximos. “Se cada um fizer um bocadinho, pelo menos colocar um sorriso na cara das pessoas que já passaram por tanto, tudo fica melhor”, acredita Lara. Como forma de retribuição apenas pedem que, com consciência, as pessoas partilhem a informação e façam com que “a campanha chegue a mais pessoas”.
Artigo actualizado às 11h27 de 26 de Março de 2015