As expressões depreciativas ao esforço de Alexis Tsipras e do seu governo proferidas por Aníbal Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho não só desprestigiam a solidariedade que Portugal deve ter com a Grécia, como também suscitam interrogações sobre o sentido de Estado de quem nos representa institucionalmente.
Se a Cavaco Silva já se dispensam as intervenções, por uma visível incapacidade em responder a assuntos da actualidade, sem no mínimo englobá-las em metáforas desprovidas de conteúdo político, já Passos Coelho comprova a sua subserviência aos ditames de uma Alemanha que há muito se assume como o Governo central de uma Europa federalizada para seu proveito. Esta confluência de pensamento entre duas das mais altas figuras do estado deixa transparecer bem o alinhamento ideológico que lhes é comum. Se era esta a magistratura de influência que o Presidente da República defendia, mais valia reservar-se ao silêncio, pois intervenções destas não farão certamente jurisprudência.
Em Portugal discutem-se sacos plásticos, os carros que não podem andar na avenida da Liberdade e sei lá mais o quê, os gregos discutem a continuação do projecto europeu, ameaçam a União Europeia com pedidos de empréstimo à Rússia, China e Estados Unidos e neste momento não só são responsáveis pelos alicerces do Parthenon, como também os da própria Europa.
Do lado alemão, e também daqueles que se filiaram na narrativa do “não há alternativa”, surgem acusações de chantagem e de condenação do euro e da União Europeia. Desculpem? A alternativa é esta que os gregos apresentam. Com sucesso ou insucesso já conseguiram fazer com que a União Europeia voltasse abrir dossiers que há muito tinham sido selados. Se o governo grego vir alguns compromissos flexibilizados, Passos Coelho, Merkel e os religiosos da austeridade perdem a face e, muito provavelmente, as próximas eleições.
Alexis Tsipras pode fazer este jogo, porque sabe que tem o último pedaço de soberania que resta ao seu país do seu lado: o poder de voto dos cidadãos que o elegeram. E contra esse, por muito que Schauble queira, nada pode fazer. Mas também o pode fazer não porque não tenha dinheiro, mas porque ele, Varoufakis e o povo grego tiveram a ousadia de contrariar uma política que por nunca ter sido contrariada está a levar agora a que a Europa demore a responder. E esta demora prova que os pilares do Tratado de Maastricht nunca foram realmente construídos e que o processo de alargamento foi mal planeado. E também prova que nunca se tinha pensado em colmatar os problemas económicos e sociais do Sul da Europa sem ser com o recurso a um plano geral de asfixia do investimento público e de marginalização de muitos países. Só a cegueira e insensibilidade social que a ideologia austeritária semeou na Europa permite ter pensamentos desses.
Sinto uma esperança em Tsipras e no seu governo porque a bem ou mal conseguiram trazer uma nova luz sobre os caminhos da integração europeia, uma abordagem mais flexível à solidariedade entre países e porque traz alguma bonomia aos crentes na ideia de Europa enquanto espaço de desenvolvimento humano e social. E aí "somos todos Grécia".