Se olharmos a crise como um jogo de futebol poderemos dizer que a tomada de posse de Jean-Claude Juncker representa uma substituição táctica ao intervalo. A saída de Durão Barroso ao fim de dez anos será analisada pelos especialistas como um esforçado, mas inconsequente jogador.
A aprovação do Tratado de Lisboa, após o falhanço do Tratado Constitucional, a defesa do projecto europeu numa das fases mais críticas do processo de construção europeia e o tardio mas merecido Prémio Nobel da Paz são as mais esclarecidas acções individuais do ex-primeiro-ministro português. A hipotética queda do euro e a saída de países estratégicos foram desafios que se colocaram ao longo de todo o mandato.
Uma vez mais podemos apontar aqui defeitos de raiz na União Europeia. Da mesma forma que a qualidade de um futebolista se baseia muito no seu ambiente de formação, as estruturas criadas pela União Europeia são ainda muito deficientes do ponto de vista de resolução a curto médio prazo de problemas. Desde a arquitectura institucional até à organização económica ainda há muita matéria onde progredir.
A implosão do sistema financeiro cipriota revelou exactamente esta periclitante estrutura bancária em que muitos estados-membros assentam. Posto isto, não ficaria bem usar a metáfora futebolística se não se aludisse às contrariedades que demonstrou. Ao longo de todo o mandato, Barroso mostrou-se pouco Durão, perdendo muitas vezes os duelos de um para um com estados-membros mais fortes. De facto, as disputas de bola principalmente com a Alemanha mostraram muitas vezes a lacuna na competência técnica do desarme e da antecipação.
A crise na Ucrânia e a emergência de nacionalismos que ameaçam a estabilidade democrática da União são problemas que surgem no seu mandato e que transitam para as mãos de Junker como bombas-relógio. A entrada da nova comissão liderada pelo luxemburguês representa o jogador cheio de confiança, impulsionado por uma massa de adeptos bastante representativa e em quem o treinador aposta tudo para resolver o jogo nos restantes 45 minutos. À semelhança do seu antecessor, provém de um país com pouca expressão demográfica, algo que à partida nos diz que tem havido um “empowerment” dos países mais pequenos dentro das instituições europeias. De facto, esta leitura pode servir de instrumento para pressionar o próprio presidente da comissão e diminuir a sua capacidade de influência, utilizando como argumentação o fraco poder negocial do seu país de origem.
Mais mulheres
Do ponto de vista da organização táctica, esta comissão estará mais bem distribuída no terreno. Juncker sempre disse que apostaria numa comissão que incluiria um número de mulheres superior. E cumpriu. A nova comissão apresenta nove mulheres e 19 homens. Todos eles têm um estofo que as comissões anteriores não tinham. Praticamente todos os comissários foram chefes de Estado ou desempenharam funções ministeriais no seus países e este dado numa altura tão delicada para a Europa pode ser decisivo.
Mormente superior ao conhecimento do domínio interno de cada estado, ser comissário pressupõe uma actuação cosmopolita, empenhada nos esforços para a coesão territorial europeia e para o seu crescimento enquanto espaço de desenvolvimento social, político, económico e cultural. Junker entra em campo numa conjuntura tão estimulante como desafiante para o projecto europeu. Os efeitos dos estilhaços das medidas de contenção da crise financeira, o ressurgir do fantasma do terrorismo islâmico e o sumário do conflito ucraniano são alguns dos temas quentes que terá de dirimir com o seu colégio de comissários.
Esperemos que no final dos 90 minutos, Junker e a sua equipa saiam de campo de cabeça bem erguida. Nestes últimos 45 minutos estão em jogo 60 anos de História da evolução da Europa.