Duarte Grilo, o actor sem tabus conquistou um júri internacional

Foi distinguido entre duas centenas de filmes por um júri de renome. Aos 29 anos, Duarte já fez de quase tudo: teatro, novela, cinema. Espera continuar por Portugal mas trabalhar a recibos verdes e vive na incerteza nem sempre é pacífico

Carta do filme Boy, de Bruno Gascon
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Carta do filme Boy, de Bruno Gascon
Duarte formou-se na escola de actores ACT, em Lisboa DR
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Duarte formou-se na escola de actores ACT, em Lisboa DR

Leva "muito a sério" tudo aquilo em que se mete, não tem medo, tabus ou vergonhas e volta e meia parece que anda "cheio de bicho-carpinteiro", eléctrico a tentar absorver tudo o que lhe aparece à frente. Quem anda no meio, facilmente identifica o actor Duarte Grilo nesta descrição. E boa parte destas características reflecte-se na mais recente conquista do jovem de 29 anos: o prémio internacional de melhor actor em curta-metragens no Macabre Fair Film Festival, festival de cinema de terror de Nova Iorque.

Foi uma noite praticamente em claro aquela em que Duarte Grilo viveu há uma semana, quando, pelo Facebook, percebeu que tinha sido escolhido como melhor actor entre um leque de quase 200 filmes e por um júri com nomes tão relevantes como os da actriz Eileen Dietz ("O Exorcista") ou do realizador Stevan Mena ("Bereavement"). "Estava a deitar-me, pelas duas da manhã, quando me deparei com aquilo no Facebook. Ainda tentei comunicar, mandei uma mensagem ao meu agente, mas àquela hora já estava tudo dormir. Só no dia seguinte pude extrapolar."

A mistura de sensações — "uma satisfação muito grande" e ao mesmo tempo "um respirar fundo, do género 'foi difícil mas valeu muito a pena" — foi ainda maior por o prémio distinguir o trabalho de Duarte Grilo na curta-metragem Boy, do realizador Bruno Gascon, um thriller "muito exigente e muito difícil de fazer", que explora "o que acontece na cabeça das pessoas quando estão sozinhas e privadas de todo o tipo de coisas." "O filme foi feito com um pacote de bolachas e um euro e meio, sem orçamento e uma entrega genial da equipa. Gravámos 20 minutos de filme em 20 horas e quase todos os planos do filme foram filmados em sequência, como se fosse uma peça de teatro repetida", contou ao P3 o aveirense.

Para este trabalho, o actor teve de emagrecer oito quilos em 15 dias, deixou crescer as unhas, na semana anterior à gravação não tomou banho. "Percebi que o personagem tinha de ter uma condição física especial e para perder tempo adoptei a dieta das maçãs. Só comia maçâ, pão, água e café. Quando tinha mais fome comia uma lata de atum e bebia mais água", recorda com um sorriso. A exigência física do papel teve mais pormenores. Durante a rodagem, Duarte carregou ao pescoço uma corrente com mais de 50 quilos. "Ao fim da segunda ou terceira hora percebi que não podia tirar aquilo porque, se tirasse, não conseguiria voltar a pôr. O realizador conta — e eu não me lembro e não é por aquela coisa de estar muito embrenhado no papel, de facto não me lembro — que à 16.ª hora fizemos uma pausa e eu pedi um café e um ben-u-ron."

"Massa com atum"

O "bichinho da representação" sempre rodeou a vida do actor. Mas houve uma peça de teatro de Natal, na escola, que Duarte Grilo identifica como um ponto importante. "Teria uns cinco, seis anos e fiquei fascinado. Decorei as falas todas e durante muito tempo massacrei os meus pais com aquela personagem", conta, acrescentando que a arte — livros, música, cinema — sempre andaram por casa. Foi, por isso, sem surpresa que o jovem se mudou para Lisboa para estudar na ACT.

Com mais de uma década de carreira, Duarte já tem um pouco de tudo no currículo: cinema, teatro, musicais, telenovela. O que prefere? Essa é fácil: "Sem qualquer dúvida, cinema. É um trabalho de aprofundamento. Mas nem sei explicar bem. É magia. É como explicar se se gosta mais de peixe ou de carne. Gosta-se mais de um e pronto."

Duarte Grilo está neste momento a gravar um filme alemão, em Lisboa. E, para este ano, tem já mais duas produções cinematográficas programadas (os nomes ficam no segredo dos deuses), uma peça de teatro de Tiago R. Santos, com estreia marcada para Abril ou Maio, e continuará a dedicar-se à música (acompanha uma cantora, com guitarra ou piano) e a fazer alguns trabalhos de "ghostwriting".

Pergunta da praxe: sair de Portugal é uma possibilidade? "Eu gosto muito de viver e trabalhar no meu país, apesar de o meio artístico estar pela hora da morte e a Cultura ter um orçamento igual ao do material de escritório do Governo. Trabalhar fora é sempre uma possibilidade, mas gosto de pensar que o poderei fazer da forma como o tenho feito, de ir e voltar." A gestão da intermitência e precariedade da profissão é algo com que o actor de 29 anos foi aprendendo a lidar: "Há dez anos que passo recibos verdes. E é uma chatice quando se vê que 1/4 do nosso ordenado vai para o Estado, que não nos dá rigorosamente nada em troca. Felizmente, tenho conseguido gerir as coisas, não devo nada a ninguém. Mas passo muitas semanas a massa com atum, isso passo."

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