“Inbeija”

Acredito que o único antídoto para a inveja seja uma boa educação, que passe pela inculcação do respeito pelos outros e por um sentido de auto-estima que nos faça entender que é dentro de nós que temos que procurar a felicidade

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Regis Duvignau/Reuters

Sou do Porto. E no Porto é assim que se pronuncia inveja. E esse sentimento é tão feio, porco e mau, que a nossa pronunciação, mais acentuada e agreste, fica-lhe bem.

De resto, a inveja é igual em todo o lado.

De Portugal, diz-se que é seu terreno fértil. E até se invoca Camões, e os seus Lusíadas, para se destacar a escolha que o poeta fez para finalizar a epopeia da nossa nacionalidade: a palavra “inveja”.

A verdade é que a inveja é um sentimento detestável. Primeiro, porque é uma poderosa força destrutiva da sociedade, um impedidor da harmonia social. Depois, porque infecta os seus contaminados com uma infelicidade sem fim. É que os invejosos jamais poderão ser duradouramente felizes, pois estão sempre a encontrar novos motivos de inveja. 

Muitas vezes confunde-se inveja com sentimento de injustiça. É bom separar as águas: as injustiças sociais devem ser sempre combatidas. Para isso, devemos desenhar um sistema social capaz de distribuir bem as sortes do mundo e de promover a igualdade de oportunidades (o que implica redistribuição da riqueza). A inveja é outra coisa. A inveja é coisa de mesquinhos, de fracos, de recalcados, de complexados que encontram no desejo de destruição dos outros o seu grande alívio. De feios que sentem asco dos bonitos só porque os bonitos são bonitos e eles são feios. De burros que desprezam os inteligentes só porque esses são inteligentes. De vizinhos que não gostam do outro, só porque o outro tem uma casa maior. De incompetentes que odeiam os competentes, como se a sua incompetência fosse culpa da competência alheia. Enfim, de vencidos da vida que não suportam ver outros felizes, como se os felizes fossem os culpados da sua infelicidade. 

Uma das coisas que mais prezo em mim (e que tenho que agradecer à genética e à educação que tive) é o facto de não estar contaminado pela praga da inveja. E não é por ser a pessoa mais privilegiada à face da terra (e por isso não ter ninguém a quem invejar). Simplesmente, não sinto inveja. Por isso, não me incomodam nada as pessoas mais bonitas que eu. Adoro conversar com pessoas mais inteligentes do que eu. Nada me perturba na riqueza dos amigos, tanto mais que até posso disfrutá-la na sua companhia. E tantas vezes fico satisfeito com a alegria alheia que me inquieto, e incomodo, com o facto de saber que há quem sinta de forma diversa. São esses os invejosos. Gente que faz sorrisos amarelos perante as nossas alegrias ou as nossas conquistas. Gente que se rói por dentro por ver os outros a singrar. Gente que sofre por ver o bem-estar alheio.

E sinto um misto de pena e desprezo por essas pessoas. Pena, porque, no fim do dia, serão sempre uns miseráveis infelizes que, ao procuram a sua felicidade na comparação com os outros, vão ter sempre alguém mais a quem invejar. Estão condenados a uma vida afogada nesse mal-estar, nessa insatisfação que é quererem sempre o que é dos outros, quererem sempre ter a vida dos outros e, com isso, esquecerem-se de viver a própria vida. Desprezo, porque dessas pessoas pouco ou nada de bom se pode esperar. São ervas daninhas sociais que dificultam o desenvolvimento, a paz e o florescimento humano. Pessoas que preferem ficar pior, desde que os outros fiquem debaixo delas. 

Acredito que o único antídoto para a inveja seja uma boa educação, que passe pela inculcação do respeito pelos outros e por um sentido de auto-estima que nos faça entender que é dentro de nós que temos que procurar a felicidade. E que, tantas vezes, o florescimento dos outros é um aliado, não um inimigo, do nosso bem-estar. 

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