Medicina: quando se desiste de um sonho por décimas
Muitos jovens percorrem um caminho difícil para entrar em medicina, mas nem sempre conseguem ingressar no curso. O P3 conversou com jovens que desistiram
Tentaram mais do que uma vez e acabaram por tomar uma decisão. Joaquim desistiu da medicina, Margarida foi para nutrição e pretende seguir esta área. Beatriz começa este ano enfermagem, mas não quer desistir do sonho de ser médica. Três casos de jovens que lutaram contra as médias para tentar entrar na sua primeira opção, mas que, no fim, seguiram caminhos diferentes. Por vezes, ser médico é mais uma questão de notas do que vocação.
Quando nos encontramos com Margarida Bica, na Praça dos Leões, no Porto, sentimos um misto de felicidade e nervosismo no seu olhar. No mês de todas as decisões, Margarida ficou a duas décimas de entrar em medicina na Universidade de Lisboa e entrou no curso de nutrição da Universidade do Porto, onde naquele dia iria fazer a sua inscrição. Depois de ter estado dois anos a lutar pela medicina, Margarida começa agora a mudar de ideias e está entusiasmada com o novo curso. “Se há um ano me perguntassem se ia tentar outra coisa, eu responderia que não, que só queria medicina”, admite.
Depois de ter feito um semestre do curso de biologia, ter saltado para um externato para rever a matéria do 12º ano e ter tentado fazer os exames nacionais mais uma vez, Margarida, que cursou o ensino articulado de dança durante o secundário, chegou à conclusão que não teria estofo para estar mais um ano a tentar. “Admiro os meus amigos que continuam a tentar porque é complicado. Entrei em nutrição e fiquei feliz, deu um aconchego ao ego. Ficamos mesmo desanimados por nos esforçarmos tanto e depois não conseguimos mostrar o que valemos nos exames”, refere a jovem de 19 anos.
Evitar sentimentos de frustração
A mesma sensação sentiu Joaquim Dias quando ficou a uma décima de ingressar em medicina no Porto. Depois de não ter conseguido entrar no curso quando acabou o secundário, esteve um ano a estudar para melhorar as notas nos exames. Mas os resultados finais não foram suficientes para a realização de um sonho. “Andar um ano inteiro a trabalhar para o mesmo e não ser recompensado é muito frustrante”, confessa. Apesar de sempre se ter identificado com a área da saúde — Joaquim gostaria de ter seguido a especialização de ortopedia — o jovem de 21 anos resolveu seguir engenharia mecânica, estando agora a começar o terceiro ano.
“Sempre achei que se fosse para outro curso de saúde iria me sentir inferior porque o meu sonho era ser médico”, conta. Outros amigos que passaram pela mesma situação acabaram por seguir enfermagem ou nutrição, Joaquim optou por mudar de ramo. “Se calhar até iria gostar destas áreas, mas ia ter sempre na minha cabeça o facto de não ter entrado em medicina, aquela frustração. Assim, nem penso no assunto”, diz o jovem.
Para evitar estes sentimentos de frustração e inferioridade, Beatriz Tato entrou este ano para enfermagem, no Porto, mas admite que é uma medida provisória pois o seu objectivo é seguir para Espanha no próximo ano para cursar medicina. “Desde que me lembro de querer alguma coisa, quero ser médica”, conta-nos, por telefone. Um sonho que começou a lutar desde o 10º ano mas que, no fim do secundário, não se concretizou por causa das notas nos exames nacionais. “Acabei o secundário com média interna de 18 valores, mas com os exames nacionais fiquei com uma média de 15,5”, diz.
A decisão de estudar em Espanha não vem de agora. Beatriz já tentou fazer os exames de acesso ao ensino superior espanhol duas vezes e acredita que no verão do próximo ano vai ser de vez. “Os exames são mais fáceis do que os de Portugal e só precisamos escolher dois. Estou a estudar para biologia e química”, explica. Se em Portugal os exames acabam por passar rasteiras aos alunos, Beatriz caracteriza as provas espanholas como sendo mais “preto no branco”. “Quem estudar consegue tirar uma boa nota”, afirma.
Para não ficar um ano parada, resolveu inscrever-se em enfermagem e até está entusiasmada com o curso. Porém, acredita que não vai conseguir mudar de ideia. “Já pensei em ficar, mas nunca me imaginei com enfermeira. O meu sonho sempre foi medicina”, sentencia.