São muitos os casos de jovens que sempre sonharam em seguir medicina, mas não conseguem entrar por não atingirem as médias que estão entre as mais altas do ensino superior português. Até que ponto as notas valem mais do que a vocação?
Neste caso valem e não há muito mais a fazer. Num sistema de avaliação “injusto” ainda não se chegou a uma fórmula mais justa para avaliar futuros médicos. Quem o diz é o director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), José Agostinho Marques, que este ano teve a nota de entrada mais elevada no universo dos cursos superiores: 182,7.
Para os que ficam de fora, há sempre um sentimento de “frustração e injustiça”, garante José Agostinho Marques. A entrada na faculdade centrada na nota “não é um grande critério e não garante que aquela é a pessoa mais adequada para a profissão”. “Um aluno de 15 ou 16 valores pode ter a personalidade ideal para ser um bom médico”, admite o responsável.
Como é que estes alunos poderiam então ser avaliados? Se em outros países, como Inglaterra ou Estados Unidos, a entrevista é um dos métodos utilizados, em Portugal não iria resultar, acredita Agostinho Marques. “A entrevista é um método muito subjectivo e a nossa mentalidade é desconfiada”, realça, dando como exemplo os candidatos licenciados que a FMUP recebe todos os anos e que são seleccionados por entrevista. “Temos processos em tribunal de pessoas que se sentem injustiçadas por não terem entrado”, revela. Este ano, dos 60 licenciados que se candidataram à FMUP, ao abrigo contingente especial, só 30 foram seleccionados.
Para o director de uma das faculdades de medicina mais prestigiadas do país, o actual método de avaliação é frio e provoca injustiças, mas encontrar um meio termo entre a média e a entrevista, o que para Agostinho Marques seria o ideal, é uma realidade ainda distante em Portugal.
Dos outros 245 jovens que entraram na FMUP via exames nacionais este ano, a maioria não terá feito uma escolha errada. Os números falam por si. A taxa de abandono na FMUP é de 1,4 por cento e 80% dos alunos consegue completar o curso no tempo estipulado.
Ainda assim, Agostinho Marques afirma que o ensino secundário “não prepara tão bem” os seus melhores alunos. “Para ser médico não chega estudar, é preciso saber lidar com pessoas, saber decidir e ter sensibilidade”, diz, afirmando que durante os anos que passam na faculdade os alunos desenvolvem estas competências, muitas vezes até em actividades extra-curriculares.
Escolher outras áreas
Para os jovens que não conseguem entrar em medicina, restam outros caminhos a percorrer: passar mais um ano a estudar para melhoria de nota ou para tentar ingressar numa faculdade no estrangeiro. Mas há também quem siga outra área no ensino superior, muitas vezes ligada à saúde.
“Fica sempre imensa gente de fora pelo número de vagas e, em Portugal, mais do que em outros países, há muita procura pela medicina”, refere Agostinho Marques. “A medicina continua a ser, para muitas famílias, a profissão de mais prestígio”, lembra. E é por culpa desta ideia que muitos jovens se sentem inferiores quando seguem outras áreas ligadas à saúde, como a enfermagem. “Nas entrevistas que fazemos com enfermeiros licenciados sentimos muito este sentimento”. “É um problema que é bom que se note que existe”, salienta o responsável.
Com muita procura para o número de vagas, este vai ser um cenário que se vai repetir sempre com o início de um novo ano lectivo. Mas Agostinho Marques acredita que desistir da medicina não deve ser um trauma. “Se para um jovem o querer ser médico está ligado à vontade de ajudar as pessoas e de estar ao serviço da comunidade, então estas características vão ser importantes em qualquer área profissional”, conclui.
O P3 tentou contactar, sem sucesso, os directores das faculdades de medicina de Coimbra e de Lisboa. No primeiro caso, a direcção não quis comentar o tema e, no segundo caso, não foi dada uma resposta até à publicação deste artigo.