Não foi exactamente uma ideia “eureka”, mas houve definitivamente um clique quando Dorlinda e Tiago provaram as bolachas de manteiga de amendoim. “Disse logo: isto ia bem era com cerveja”, recorda Dorlinda, “não precisamos de descascar os amendoins”. O comentário poderia ter sido inocente, mas algo ficou a germinar e de vez em quando lá despertava. “Com o vinho tinto ‘todos’ sabem que o chocolate combina bem, mas e se ao chocolate juntássemos pimenta rosa?”
De ideia em ideia, algo maior começou a desenhar-se. “Pensámos em abrir uma loja de bolachas, mas já há algumas”, recorda Dorlinda, “então decidimos dar-lhe a volta”. Essa volta demorou poucas semanas a concretizar. A união das bolachas às bebidas alcoólicas foi o "twist" encontrado pelos sócios, “na vida e negócios”, e o Almada Minha o resultado. É um "cookie bar" orgulhoso da sua singularidade que abriu em Dezembro passado.
Há bolachas e biscoitos, de várias formas (estrelas, pinheiros, bolas, suspiros…), doces e salgados, em grandes boiões de vidro e tampo dourado; há bolos aconchegados em pratos tapados que se exibem no balcão. O cenário tem algo de atmosfera de mercearia antiga, mas a vibração é totalmente contemporânea. Um DJ passa música (esperem-se blues, jazz, rockabilly, oldies, alguma alternativa) no fundo da sala; à frente, mesa baixa e almofadas, bebe-se vinho e comem-se bolachas, redondas, grandes, com vista para a escuridão deste final de tarde chuvoso.
Se há uma variedade razoável de bolachas à disposição, o grande segredo deste Almada Minha são as sugestões de harmonização com as bebidas à disposição — não apenas alcoólicas, há chás, café e chocolate quente, por exemplo. Mas como este é um território de ousadias, o chocolate quente “recomendado” também tem os seus elementos distintivos: sirva-se com especiarias e rum. E acompanhe-se com bolachas de manteiga ou de canela.
Dorlinda nem come bolachas, confessa — excepto as salgadas, emenda prontamente — e tão-pouco as sabe fazer. Contudo, todas as combinações que aqui vemos, algumas bem excêntricas, saem da sua cabeça. “Tenho sido ponderada, nunca correu mal. Mas em Março vou perder a cabeça. Espero não ter um traumatismo craniano”, ironiza. E em breve, vai aventurar-se mais com as especiarias e o processo será o mesmo. Passa a ideia aos fornecedores, quase todos a fazerem bolachas como actividade secundária, à noite.
Esta é uma questão importante para Dorlinda e Tiago, que fazem questão de apostar em pequenos produtores, numa espécie de rede informal de entreajuda. “Percebemos que há muita malta em casa que está a tentar desenrascar-se nestes tempos difíceis”, explica Dorlinda (ela própria tem formação em jornalismo e Tiago é designer, actividade que mantém). Não surpreende, portanto, que seja tudo artesanal (bolachas, bolos, compotas — cerca de 30 diferentes, para venda), com um mínimo de processados, e com um período de validade curto — “um mês no máximo”.
Com tal cadeia de produção, não surpreende que muitas bolachas sejam únicas da casa. E que a ementa de sabores nunca seja bem igual — aqui também é uma questão programática: “Não queremos ter sempre mais do mesmo.” Uma caixinha de surpresas, portanto, seja nas bolachas — pétalas de rosa, goji, arando, cacau, gengibre, amêndoa, pimenta rosa, queijos, ervas aromáticas, manteiga, malagueta, cebola… — seja nos bolos — de chocolate, mirtilo, tarte merengada de frutos vermelhos… E o Almada Minha não se restringe a estes dois produtos icónicos, servindo também quiches e outras tartes salgadas e, coisa recente, tábuas de queijos e enchidos e petiscos (moelas, alheiras, chouriço…) — para harmonizar (ou não) com bolachas (por exemplo, as tábuas vão com bolachas de cebola ou alho, as moelas com bolachas de azeite).
Confessamos que não saímos do Almada Minha sem umas provas. Isto depois de termos feito o “reconhecimento” do espaço, aura vintage distribuída em dois andares — o segundo em mezanino, tecto baixo e janelas que ocupam quase toda a altura. O branco e o vermelho são os tons dominantes da casa, com o vermelho a destacar-se numa parede coberta de desenhos e frases, cortesia dos proprietários e, sobretudo, de clientes que gostaram da ideia.
Quando nos sentamos com as nossas bolachas, comemo-las sem discernimento, sabemos depois: começámos com o chocolate e pimenta rosa, passámos para ervas e queijo Roquefort e terminámos na cebola. Foi um "jackpot" totalmente ao revés. Mas é para isso que Dorlinda e Tiago aqui estão. Para nos abrirem as portas para as melhores combinações possíveis e para nos receberem, dizem, como se fôssemos amigos.
Harmonizar por aí
É o que queremos saber quando chegamos ao Almada Minha, mas temos de esperar por resposta de email para termos uma ideia mais clara de algumas harmonizações entre bolachas e bebidas alcoólicas.
Se o gin está na moda, experimente combiná-lo com bolachas de gengibre, sugerem; e para a tradicional vodka, as de lima.
A tequila tem um acompanhamento “previsível”, sal e limão — o inesperado aqui é ver os ingredientes numa bolacha.
A cerveja artesanal (e a Sovina está a chegar ao Almada Minha) bebe-se melhor com bolachas de malagueta e o chá alcoólico serve-se com as de pétalas de rosa.
Para os vinhos, atente-se às regiões: os durienses alinham com as bolachas de cacau e pimenta rosa, os do Alentejo com as de queijo (Roquefort ou da Ilha), os do Dão com as de ervas aromáticas.
O vinho do Porto é inescapável: serve-se com bolachas de goji ou arando ou é feito ele próprio bolacha que acompanha os chás.
O licor Beirão e a caipirinha são ingredientes de brigadeiros especiais — e há muito mais para descobrir "in situ".