A dimensão e a correria das cidades transformam-nas em lugares pouco aconselháveis para pessoas com autismo. Elizabeth Decker sabe-o por experiência próxima: Marc, o irmão mais novo de 19 anos, foi diagnosticado com a doença há anos e é dependente da família para boa parte das tarefas. Foi com o futuro do irmão na mente que a estudante de arquitectura partiu para o seu trabalho de pós-graduação: podem as cidades ter um urbanismo que as transforme em lugares que não discriminam adultos com esta doença?
A resposta afirmativa da jovem de 23 anos está sustentada num kit de ferramentas que serve como pesquisa exploratória para urbanistas, arquitectos e paisagistas poderem projectar cidades mais inclusivas para adultos com perturbações do espectro do autismo (PEA), uma disfunção do desenvolvimento que afecta o comportamento do indivíduo e a sua capacidade de comunicar e sociabilizar. “Imagino cidades inclusivas para indivíduos que vivem com autismo a incluírem serviços e programas próximos uns dos outros, facilmente acessíveis para adultos com autismo”, explicou ao P3 Elizabeth Decker numa entrevista por email.
Por exemplo? “Espaços abertos e comida saudável devem estar a um ou dois quarteirões de uma unidade de habitações a preços acessíveis. Serviços de transporte públicos devem ligar essas unidades dentro das cidades.” Para pessoas com autismo, os ambientes urbanos significam um acréscimo de confusão mental — sobrecarga sensorial, transportes públicos inadaptados e escassez de espaços verdes são alguns dos problemas.
Para os entender melhor e sustentar a tese "A city for Marc: An inclusive urban design approach to planning for adults with autism", Elizabeth entrevistou adultos com PEA, médicos neurologistas e sociólogos. Top 5 de necessidades: formação profissional, apoio à saúde mental e física, emprego, transporte público e habitação acessível. Com estas premissas na cabeça, Elizabeth Decker aplicou os princípios de um design inclusivo usando a cidade de Nashville, em Tennessee, como caso de estudo.
A espaços “sub-utilizados”, Elizabeth quer dar utilidade: por exemplo, se há um lote vago ao lado de um ginásio poderia usar-se esse espaço para atender às necessidades de saúde de pessoas com autismo.
A estudante pensou habitação acessível conectada com serviços para autistas e mostrou que é viável em modelos 3D. A investigação recolheu também uma série de links para locais com alimentação saudável e aconselha a construção de instalações dedicadas à formação profissional junto de outras de programas cívicos e institucionais. Além disso, os espaços verdes devem ser reforçados de forma a haver áreas onde o ruído urbano seja menos agressivo.
Estas alterações a Nashville — e que podem ser readaptadas para outras cidades — não significam “redesenhar cidades inteiras para esse grupo”, acautela: “As cidades são feitas para serem diversas e são desenvolvidas com muitos esforços individuais de empresários, comunidades e empresas.”
Através deste projecto, Elizabeth quer conhecer melhor o irmão, cujo autismo estará situado no espectro médio. “A minha família é afortunada por ter o Marc, porque às vezes as atitudes inocentes dele conseguem simplesmente melhorar o nosso humor”, disse, acrescentando que o irmão sonha trabalhar numa padaria quando terminar a escola.
“Não chega ver a cidade por blocos e sugerir construir um edifício ou um parque. Sem a visão de uma cidade inclusiva como um todo, o design falha na tentativa de ligar com sucesso as necessidades de um adulto com autismo”, acredita. O autismo é uma doença genética, sem cura, que afecta uma em cada 68 crianças nos EUA, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Em Portugal não há números conclusivos.