Portugal entrou numa crise demográfica próxima da queda-livre. Tanto assim é que em quase todos os programas eleitorais e estratégicos constam propostas de apoio à natalidade. Mas até que ponto é que a falta de medidas tradicionais de apoio à natalidade influenciam a queda dos nascimentos em Portugal?
Fui pai ainda há menos de um ano, pelo que já tenho uma noção real dos custos que implica ter um filho. São grandes de facto, mas, mesmo que todos esses custos fossem suportados pelo Estado, será que a natalidade cresceria substancialmente? Acredito que aumentasse, mas talvez não tanto como se supõe.
Eu e muitos outros, a caminho ou já passados dos 30, fomos adiando a parentalidade porque ainda tínhamos muitas coisas para fazer, isto sem sequer invocarmos primeiro as incontornáveis limitações financeiras, a incerteza e a precariedade laboral. De facto hoje temos muito mais liberdade e uma imensidão de possibilidades e projectos a fazer, ainda que a situação de crise económica nos condicione muito e obrigue à estagnação.
As sociedades ocidentais contemporâneas são individualistas — o que nem sempre é mau pois significa, por outro lado, que vivemos em democracia e liberdade. No caso da sociedade portuguesa, há que não esquecer também que as actuais gerações de jovens adultos são das primeiras a nascer já em democracia, e a terem, ao contrário de muitos dos seus pais — conhecedores da pobreza e injustiça social extremas —, reais oportunidades de mobilidade social. E é claro que a essa progressão social se associam a liberdade do individualismo informado e os meios materiais que permitem uma nova busca individual pela máxima felicidade possível.
Ou seja, nessa procura individualista pela felicidade nem sempre os filhos são uma prioridade, especialmente porque condicionam a liberdade dos pais. Assim, tendo em conta que as crises económicas nos sistemas capitalistas até são passageiras, e que a procura individual pela felicidade continuará a marcar a vida das pessoas, a natalidade só aumentará quando as políticas se centrarem na garantia de que os jovens pais se possam realizar pessoalmente também com outros projectos de vida. Há que não esquecer que a felicidade única criada pelos filhos, quase sempre, só se percebe depois de os ter.
A solução óbvia pelo subsídio não é garantia absoluta de mais natalidade, embora ajude e dê muito jeito. Só quando os filhos deixarem de poder ser vistos como uma eventual prisão, causadores do fim da liberdade dos pais, condicionantes da realização profissional e académica, ou de impedirem actividades de lazer altamente valorizadas, é que a natalidade voltará a crescer substancialmente, independentemente dos subsídios. Mas para isso precisamos de políticas que mudem toda a organização social e o próprio mundo do trabalho e do lazer, em Portugal e em todo o velho mundo desenvolvido.