Num destes dias de sol, uma mulher que conheci de raspão há uns anos aproveitou-se das (já não tão) novas tecnologias para me fazer um desabafo. Às vezes é mais fácil conversar com estranhos, dizem-nos alguns livros, e eu concordo. O desabafo em questão dava conta de um dilema demasiado controverso para ser deitado ao vento, aí à solta para quem o queira apanhar: embora comprometida, algo nela a faz desejar intensamente um outro homem. A solução, essa, teima em escapulir-se para debaixo dos carros, como a bola dos miúdos, e ela continua sem saber para que lado se virar.
Deixemo-nos, para já, de falsos moralismos. Quem disser que nunca teve um pensamento pouco inocente durante um compromisso assumido com outrém, das duas uma: ou mente aos outros, ou mente a si próprio. Há quem os tenha consumado ou quem os tenha fantasiado. Há ainda quem os tenha ultrapassado, desta ou daquela maneira. Falta, no entanto, uma certa absolvição do sentimento. É tão humano quanto a vontade biológica de comer ou de se proteger. É sobrevivência feita instinto. Valha-nos que a civilização imprescindível dos corpos tornou a coisa bem mais saudável e reprimível, embora haja ainda a necessidade de compreender e desagravar (quanto baste) a atroz sensação.
Ainda assim, a questão vai muito para além disto. A mulher de que falo teme o peso que já sente na consciência, mas tem ainda de lidar com a mágoa de não ter sido correspondida pelo alvo da sua tentação, por aquele que seria, nas suas próprias palavras, “o outro amor”. São dores a mais para uma situação que não se pode dominar.
Gosto pouco de falar de amor, por achar que não tenho jeito, mas também por achar que o amor não vive das palavras mas das práticas. De qualquer forma, há coisas tão bonitas que nos passam pela cabeça que não podem ficar guardadas debaixo da língua.
A verdade suprema dos amores que nos infestam os humores é esta: andamos quase todos atrás daqueles que não nos querem. Mesmo que estejamos com a pessoa certa, nem sempre nos querem como somos nem nós a temos como gostaríamos. Havias de mudar isto, havias de ser um bocadinho mais assim ou um bocadinho menos assado. E cá andamos, feitos gatos e ratos, agora fujo eu, agora foges tu. Contigo não quero, mas com aquela já era bom. Gosto daquele “tu” de há duas horas, este “tu” já não me agrada tanto. Extenuante e viciante em simultâneo. Por isso, não paramos e continuamos. Como se o levantar da cama dependesse disso mesmo. Hoje mais um bocadinho que ontem.
E depois há aquela sensação, que pode durar dois dias curtos ou duas vidas inteiras: as borboletas, o nervoso miudinho, as ânsias, os medos, o querer estar, o querer ser, o querer viver. Por muito que os corações de pedra que se desvendam em qualquer esquina nos tentem convencer do contrário, a vida é feita para amar.
Mentira?