Um festival faz-se com música

O público do Rock in Rio pouco quer saber de música. A organização, não alheia a este facto, transformou o certame num parque de diversões onde, por mero acaso, há artistas em cima de palcos

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agenciazero.net

Entrei pela primeira vez no Rock in Rio a 4 de Junho de 2004. Quando botei pé na Quinta da Bela Vista, eram os Moonspell quem actuava, seguidos de uns Sepultura que ainda eram demasiado barulhentos para os meus ouvidos debutantes. Seguiram-se os Slipknot, que ainda hoje guardo como donos de um dos melhores espectáculos de heavy metal que já vi na vida. Depois Incubus e depois os heróis dos meus 17 anos, uns sujeitos chamados Metallica. Desde então, assisti a dezenas de concertos naquele lugar, ao longo dos últimos dez anos. 

Este ano regressei. Fui ao primeiro dia desta edição e conto ir aos restantes. Reforço, no entanto, aquilo que já achava deste festival: o público do Rock in Rio pouco quer saber de música. A organização, não alheia a este facto, transformou o certame num parque de diversões onde, por mero acaso, há artistas em cima de palcos. Daí advém também a contaminação publicitária. Ele é chapéus de palha, ou insufláveis luminosos, ou perucas que catrapiscam, ou bolas vermelhas gigantes, que mais não fazem que não seja atrapalhar quem, de facto, quer ver concertos.

Ainda assim, é de louvar o empurrão que a organização faz no sentido de levar mais música ao recinto: além da Rock Street, um sucesso comprovado em edições passadas, a transferência e o aumento do palco secundário são de aplaudir. Um lugar recôndito, nos confins da área, que promete trazer momentos inesquecíveis aos verdadeiros amantes de música. Estes, se prestarem atenção e se lá estiverem à hora certa, poderão observar o sol pôr-se mesmo atrás do Palácio da Pena.

De qualquer forma, quando o público é de uma certa maneira, não há como sobreviver a não ser agradando-lhe. Ao contrário do que acontece com outros cartazes na Área Metropolitana de Lisboa, este obedece às franjas mais comercialóides de consumidores. Procura-se o puro lado do entretenimento e, mais que isso, um certo querer dizer aos outros que lá se esteve. Este deve ser o festival com maior taxa de costas voltadas para o palco. A música serve apenas de ambiente para se dançar com os amigos ou fazer selfies. Parece que conta mais dizer “eu fui ao Rock in Rio” ou publicar fotos no Facebook ao estilo “ó para mim tão lindo aqui ao lado de carradas de gente” do que pôr no CV que já se assistiu a um bom espectáculo do Robbie Williams.

Aqui as pessoas não demonstram qualquer compromisso para com os artistas. Os músicos são claramente atirados para segundo plano, embora se esforcem por garantir a festa à audiência. Boss AC e Áurea, por exemplo, tocaram os temas que já passaram setenta mil vezes na rádio e está a andar, já para não dizer que se viram forçados a fazer uma versão da música da moda, “Happy”, de Pharrell, só naquela de cair em boas graças. Ninguém tem o atrevimento de colocar algo um pouco mais obscuro no repertório, sob pena de se perder a atenção da audiência. Robbie Williams até exagerou na brincadeira; quem tenha gasto 60 euros para o ver cantar êxitos intemporais, bem se lixou. O britânico tocou para aí umas seis músicas suas e o resto do tempo foi corrido a covers: Queen, Joan Jett, The Isley Brothers, Ray Charles, Oasis, Frank Sinatra, Blur, Alicia Keys, AC/DC, entre outros: deu para tudo.

O melhor do dia? Silva, que ofereceu muito boa música a uma mão cheia de felizardos que estavam nas imediações do palco secundário. O pior? Paloma Faith; não pelo espectáculo competente, mas por ser uma perfeita desconhecida do público português e, como tal, não ter agarrado ninguém pelos colarinhos. Resta a esperança de que os dias de Arcade Fire, Rolling Stones e Linkin Park levem à Bela Vista um público mais digno desse nome. Lá estarei para o comprovar.

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